sexta-feira, 15 de julho de 2011

Alterações No Código Florestal afetam todos os brasileiros




Texto extraído na íntegra...Revista Ciência Hoje edição Julho de 2011

          Desde 1934 o Brasil tem legislação específica que rege a exploração dos seus recursos naturais. O atual Código Florestal data de 15 de setembro de 1965 e preserva recursos naturais, bens de interesse comum a todos os brasileiros, como expresso em seu artigo 1º, estabelecendo regras de ocupação do território nacional de forma a manter tais recursos para as atuais e futuras gerações. Entre essas regras estão limitações à remoção da vegetação nativa existente em propriedades rurais (as chamadas Reservas Legais), de forma a preservar os recursos florestais e a biodiversidade como um todo, e a proteção de encostas e áreas ribeirinhas (as Áreas de Preservação Permanente), com o principal objetivo de garantir estabilidade geológica e prover água potável de qualidade.
         No entanto, essa legislação encontra-se seriamente ameaçada por uma proposta de alteração em tramitação no Congresso Nacional. Segundo os cientistas, a revisão do Código Florestal é desejável desde que se busque modernizar a legislação para servir em plenitude à população brasileira, em função dos avanços sociais e científicos das últimas décadas. As modificações incluídas na atual proposta, no entanto, não cumprem esse papel e, ao contrário, negligenciam o conhecimento científico acumulado nos últimos 30 anos.Foram inúmeras as tentativas, seja de cientistas isoladamente ou de suas instituições representativas, de apontar as graves falhas dessa proposta, que apresenta enorme potencial para agravar os graves problemas ambientais que enfrentamos, ameaçando seriamente não só a cadeia produtiva agropecuária, mas também a vida de todos os brasileiros.
         Os riscos oferecidos pelas alterações, principalmente as que reduzem as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais, estão relacionadas à perda de serviços ambientias, benefícios fundamentais para o nosso bem-estar que obtemos a partir do funcionamento dos ecossistemas, tais como regulação hídrica, fixação de carbono, contenção da erosão, polinização e controle de pragas, entre outros, de inestim´vel valor para o ser humano. É importante ressaltar que a conservação ambiental contemplada no atual Código Florestal não tem como mero intuito a romântica preservação das belezas cênicas ou animais carismáticos, mas sobretudo a manutenção de processos ecológicos que têm alto valor econômico e proporcionam bem-estar e qualiodade de vida à população humana.
        Diversos trabalhos conduzidos por respeitados grupos de cientistas brasileiros indicam que a atual proposta de alteração do Código deve levar não apenas a uma ampla redução da vegetação natural, mas também a perdas diretas na produção agrícola. Esses efeitos podem ser exemplificados pela diminuição de polinizadores, necessários para a produção de grãos (café, castanhas, feijão, soja e outros), legumes e frutas. As flores desses vegetais, importantes na economia e na alimentação humana, geralmente são polinizadas por animais selvagens (insetos, aves e outros) para a produção de vagens, frutos carnosos e semente, fato somente possível quando a vegetação nativa está presente e próxima dos cultivos.
        A perda dos polinizadores, em decorrência da destruição dos ecossistemas onde vivem e se reproduzem, levará à queda da produção agrícola, com aumento dos custos, como aponta estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia para o caso do maracujá. Na ausência da vegetação natural, as abelhas nativas, únicas polinizadoras do maracujá, não sobrevivem, obrigando os produtores a realizar a polinização manual das flores, o que corresponde a cerca da metade dos custos de produção. Exemplos similares foram constatados para uma ampla gama de produtos agrícolas por todo o país, sendo que os estudos evidenciaram menor incidência de pragas e melhor qualidade de grãos em regiões próximas a áreas de vegetação nativa. Além disso, a preservação ambiental também garante a manutenção da diversidade genética de variedades selvagens dos nossos principais alimentos, mantendo assim nossa capacidade de resposta em caso de pragas ou catástrofez globais que afetem seu cultivo.
 
          Diante dessas constatações científicas, é fácil perceber que o antagonismo entre produção agrícola e preservação ambiental é uma falácia, não só pela profusão de terras agriculturáveis garantida pelo atual Código Florestal, mas também por possíveis prejuízos econôminos decorrentes do aumento de gastos necessário para compensar a perda de serviços ambientais prestados gratuitamente pelos ecossistemas naturais. Obviamente, quem pagará por esses custos serão os consumidores finais, ou seja, todos os brasileiros.
          Além disso, argumentar que as mudanças propostas beneficiariam os produores familiares é outra ilusão. A agricultura familiar já é beneficiada por leis que facultam o uso econômico das Áreas de Preservação Permanente, pela adoção de sistemas agroflorestais, que aliam preservação e produção agrícola, e pela possibilidade de implantar pomares, eucaliptais e outras formações de espécies exóticas intercaladas com nativas em suas Reservas Legais, facilitando a recomposição dessas reservas por quem produz nosso alimento. Por esse motivo, os movimentos de agricultores familares se posicionaram radicalmente contra as mudanças em discussão no Congresso.
           A preservação de topos de morros, encostas íngremes e beiras de rios também garante estabilidade geológica, reduzindo riscos de enchentes e deslizamentos, causas de tragédias por todo os Brasil, como recentemente observado no estado do Rio de Janeiro, onde a grande maioria da população afetada vivia em Áreas de Preservação Permanente, em claro desrespeito à legislação ambiental e submetendo-se a sérios riscos. As enchentes e deslizamentos também causam sério prejuízos a atividades agrícolas e pecuárias, evidenciando mais uma vez que as alterações propostas para o Código Florestal, que visariam 'favorecer' a produção no campo. podem na verdade, representar grandes perdas.
          A comunidade científica, como já citado, não se posiciona contra a revisão do Código Florestal. Esse instrumento legal, entretanto, deve ser melhorado a partir do mais moderno conhecimento científico. O Código em vigor foi discutido por espevcialistas por cerca de quatro anos, antes de sua promulgação em 1965.
           Em função da importância estratégica dessa lei, o que ainda se espera é uma ampla discussão baseada no conhecimento acumulado pela ciência. Segundo os especialistas , o momento não é de alteração emergencial do Código, visto que a agricultura nacional quebra recordes de produção e lucratividade safra após safra, ocupando posiçã privilegiada no cenário internacional. É hora de refletirmos, com tempo para uma discussão profunda, que país queremos para nossos filhos, adequando as leis a esse ideal. Isso significa buscar uma agricultura forte e sustentável, somada a um ambiente íntegro, capaz de fornecer os serviços ambientais necessários para nossa própria sobrevivência.

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