quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Nova descoberta representa barreira para vacina contra HIV

Cientistas descobriram um novo obstáculo que deve atrapalhar o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV, assim como outras vacinas contra doenças provocadas por vírus. A informação está em um estudo publicado online pelo “Journal of Clinical Investigation”.
Em 2007, um estudo conhecido como Step, que testava uma vacina candidata para o HIV, mostrou que esse medicamento não era eficiente. Em alguns casos, inclusive, a vacina tornava as pessoas mais suscetíveis à infecção, pois o sistema imunológico reconhecia um componente usado na vacina: um tipo de vírus chamado de Ad5.
A equipe liderada por Juliana McElrath, do Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, nos EUA, descobriu que algumas pessoas tinham no sistema de defesa células com alta resposta ao Ad5. Esses pacientes produziram uma reação mais fraca em relação ao HIV e, por isso, a vacina não foi eficaz.
O atual estudo mostrou também que isso acontece não só com o Ad5, mas também com outros adenovírus usados como componentes de vacinas. Na avaliação dos pesquisadores, esse aspecto deverá ser levado em conta no desenvolvimento de novas vacinas.
“Esses achados providenciam o que acreditamos ser uma nova compreensão de como a imunidade viral pré-existente pode impactar a eficácia de vacinas hoje sob avaliação para a prevenção do HIV, da tuberculose e da malária”, sugere o artigo.
(Fonte: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/12/nova-descoberta-representa-barreira-para-vacina-contra-hiv.html)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O parasita discreto

Um grupo de pesquisadores brasileiros trabalhou em conjunto em 2010 na Universidade de Maryland, Estados Unidos, para concluir um trabalho que detalhou os artifícios que o protozoário Trypanosoma cruzi adota para invadir e ocupar as células humanas, primeiro passo para começar a infecção que caracteriza a doença de Chagas, ainda relativamente comum em alguns países das Américas. As conclusões a que chegaram indicam que o Trypanosoma cruzi coloca os mecanismos de reparo celular para funcionar a seu favor e ajudam a explicar a afinidade do parasita pelas células musculares, causando a expansão do coração, uma das características da fase crônica da doença. A mortalidade causada por essa enfermidade tem se reduzido nos últimos anos, mas estima-se que de 3 a 5 milhões de pessoas ainda tenham a forma crônica do também chamado mal de Chagas.

O médico Carlos Chagas já tinha visto em 1909, por meio de um microscópio de seu laboratório no Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, o T. cruzi em células e no sangue de pessoas infectadas. Na década de 1940, Herta Meyer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez um filme que mostra o parasita ocupando as células e se reproduzindo ali dentro (o filme encontra-se na página da Sociedade Brasileira de Protozoologia – depois, clique em interage e multimídia). Essa foi uma parte do trabalho desses pioneiros sobre a identificação do agente causador, do inseto transmissor e dos sintomas característicos da doença, mas as limitações de seus equipamentos não lhes permitiram ir muito além (ver Pesquisa Fapesp nº 163, setembro de 2009). Em Maryland havia não só equipamentos, mas também especialistas com interesses convergentes.

A bióloga Maria Cecília Fernandes, que fez o doutorado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já estava lá há quase dois anos estudando os mecanismos pelos quais o T. cruzi invade as células humanas. Ela trabalhava no laboratório de biologia celular, coordenado por Norma Andrews. Norma investiga a interação entre o T. cruzi e as células hospedeiras desde os anos 1980, quando fez o doutorado na Universidade de São Paulo (USP) com o médico e bioquímico Walter Colli, um dos maiores especialistas em doença de Chagas no Brasil. Uma de suas linhas de trabalho é justamente os mecanismos de reparo de membrana celular. Em abril de 2010, Renato Mortara, professor da Unifesp que estuda o comportamento do T. cruzi desde os anos 1980, se uniu ao grupo em Maryland.
Passo a passo - Como eles precisavam de outros equipamentos, pediram ajuda a dois brasileiros que estavam em Bethesda, a menos de uma hora de College Park: Bechara Kachar, pesquisador formado em medicina pela USP que está desde 1986 nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), e Leonardo Rodrigues de Andrade, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) atualmente no laboratório de Kachar.

Com a ajuda de colegas norte-americanos, eles estudaram, filmaram e deduziram, por meio de provas e contraprovas, o passo a passo da invasão e ocupação celular pelo T. cruzi. O parasita, provavelmente por causa de sua intensa movimentação, lesiona a membrana externa da célula, causando um pequeno buraco. Por aí entram íons de cálcio, abundantes no espaço extracelular, como o grupo de Norma havia mostrado. Outros grupos também estudaram intensamente o comportamento do T. cruzi. Anos antes, por exemplo, Sergio Schenkman e sua equipe da Unifesp haviam indicado como o parasita escapava das defesas dos organismos que invade (ver Pesquisa Fapesp nº 118, dezembro de 2005).

Esse novo trabalho mostra que, no interior da célula, o cálcio iônico aciona a fusão de compartimentos conhecidos como lisossomos com a membrana externa ao redor do minúsculo buraco que o parasita está abrindo. Ao se fundirem com a membrana, os lisossomos liberam uma enzima chamada esfingomielinase, que por sua vez induz à formação de outra molécula da membrana, a ceramida. Por sua vez, a ceramida forma uma curvatura na membrana, remove a região lesionada e conserta a membrana, desse modo facilitando a entrada do parasita.

“O parasita aproveita em seu benefício a enzima e a ceramida, enfim, o mecanismo de reparo celular da lesão na membrana”, diz Mortara. “O T. cruzi tem uma afinidade pelas células musculares, que estão mais sujeitas a lesões e, por essa razão, acionam com frequência os mecanismos de reparo da membrana externa.”

Dentro da célula, em compartimentos semelhantes a lisossomos, o protozoário se movimenta intensamente. “A intensa movimentação provavelmente atrai outros parasitas para a mesma célula”, diz ele. O T. cruzi libera toxinas que lhe permitem escapar. Começa a se multiplicar e, dias depois, pode gerar uma centena de cópias. De tão abarrotada, a célula deixa de funcionar e se rompe, liberando parasitas que colonizam outras células.

Como o piloto de um avião se aproximando de uma cidade, o microrganismo precisa escolher bem onde tocar uma célula. Não há, claro, uma intenção de onde pousar, mas uma afinidade eletrostática com alguns pontos – se errar, poderá disparar os mecanismos de defesa que tendem a eliminar os visitantes indesejados. Bactérias, vírus e protozoários adotam estratégias diferentes que lhes permitem atravessar a membrana e entrar onde talvez encontrem alguma proteção e possam se reproduzir. “Os protozoários causadores da leishmaniose parecem explorar um mecanismo de reparo celular similar ao do T. cruzi para invadir os macrófagos”, observa Mortara.
Táticas diferentes - Cada microrganismo sobrevive por meio de formas próprias de fazer as células trabalharem a seu favor. Em agosto na Cellular Microbiology, Rey Carabeo, do Imperial College London, de Londres, apresentou várias estratégias de invasão adotadas por bactérias que causam problemas para os seres humanos como a Salmonella, a Escherichia coli e a Chlamydia. Em geral, essas bactérias acionam os mecanismos que produzem uma remodelação de proteínas abundantes logo abaixo da membrana celular, as actinas. Cada uma delas, ao encostar na célula hospedeira, aciona diferentes proteínas que se ligam às actinas, induzindo a construção de moléculas alongadas como pilares que esticam a célula. Formam-se assim os prolongamentos da superfície celular que engolfam o microrganismo e lhe permitem ingressar sem causar lesão à membrana. Na edição de julho da Molecular Microbiology, James Bamburg, da Universidade do Estado do Colorado, Estados Unidos, detalhou o encadeamento de moléculas que facilitam a entrada apenas da Listeria monocytogenes, uma bactéria que pode causar infecções severas, principalmente em gestantes.

A doença de Chagas já não preocupa tanto. O combate aos insetos transmissores fez o número de pessoas contaminadas cair bastante: os serviços públicos de saúde registraram menos de 200 casos e apenas três mortes atribuídas a essa doença em 2008. Não há mais tantas casas de pau a pique com buracos em que os insetos se escondem, mas ainda há razões para preocupação. Por causa da falta de higiene e de atenção, o contágio continua, por meio do consumo de caldo de cana ou de suco de açaí contaminados ou, mais raramente, da transfusão de sangue e do transplante de órgãos.

Em uma conferência em 2010, Norma comentou que essa é uma doença associada à pobreza, com cerca de 18 milhões de pessoas contaminadas nas Américas Central e do Sul. É também difícil de ser detectada: 41% das pessoas portadoras de T. cruzi são assintomáticas. Em 45% dos infectados o coração se expande e em outros 11% o esôfago ou o estômago é que se dilatam. Segundo ela, a doença de Chagas dificilmente pode ser eliminada, já que o parasita pode ser transmitido ao ser humano por cerca de 100 espécies de mamíferos, incluindo alguns mais próximos como cães, gatos e roedores. Por viverem perto das casas, esses animais se transformam em reservatórios do parasita, depois de sugados pelos insetos transmissores.

O parasita discreto Trypanosoma cruzi põe as células para funcionar a seu favor.
Revista Pesquisa Fapesp. Nº 188, 2011.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Descobertas sobre defesa do corpo humano rendem Nobel de medicina

O cientista norte-americano Bruce Beutler, o francês Jules Hoffmann e o canadense Ralph Steinman receberam o Nobel de medicina de 2011 por pesquisas sobre como o sistema de defesa do corpo humano reage a ameaças como vírus, bactérias e fungos. O anúncio foi feito na manhã desta segunda-feira (3) em Estocolmo, na Suécia.
Segundo o comitê do Instituto Karolisnka, o trabalho premiado este ano foi importante para o conhecimento sobre o sistema de defesa do corpo humano e quais os princípios que controlam o seu funcionamento. Essas pesquisas possibilitaram novas formas de terapia contra infecções, doenças inflamatórias e até mesmo o câncer.
Os ganhadores do Nobel de Medicina 2011: o americano Bruce Beutler, o francês Jules Hoffmann e o canadense Ralph Steinman (Foto: Divulgação/Nobel)Os ganhadores do Nobel de Medicina 2011: o norte-americano Bruce Beutler, o francês Jules Hoffmann e o canadense Ralph Steinman (Foto: Divulgação/Nobel)
Beutler e Hoffmann receberam o prêmio por desvendarem como a primeira linha de defesa do corpo detecta os "invasores". Esta linha, chamada de "defesa inata", é a primeira a atacar micro-organismos que entram nas pessoas e causam doenças. Para impedir a ação deles, uma das armas utilizadas são as inflamações.
Já Steinman foi lembrado pelo Instituto Karolinska pois estudou o estágio seguinte dessa resposta do corpo a ameaças. Ele descobriu um tipo de célula chamada de "dendrítica",  responsável por expulsar os parasitas do corpo definitivamente.
Beutler, do instituto de pesquisa Scripps, e Hoffmann, membro da Academia Francesa de Ciências, vão dividir 10 milhões de coroas suecas. Já Steinman, da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos, vai receber sozinho o mesmo valor, que equivale a R$ 2,7 milhões.
Os próximos prêmios a serem anunciados ainda nesta semana serão os de física, química, literatura e da paz. No dia 10, será conhecido o vencedor na categoria economia. O prêmio Nobel, a principal celebração científica do mundo, é realizado desde 1901 e foi idealizado por Alfred Nobel, o inventor da dinamite.
Conheça a pesquisa dos três cientistas
Jules Hoffmann nasceu em Luxemburgo em 1941. No ano de 1996, ele estudava moscas-de-fruta e tentava descobrir como esses insetos combatiam infecções. Durante a pesquisa, ele trabalhou com moscas com diversos genes alterados.
Um dos genes estudados era chamado "Toll". Hoffmann descobriu que quando este gene era mudado, as moscas morriam -- porque não conseguiam montar uma defesa eficiente às invasões de parasitas.
Dois anos mais tarde, o norte-americano Bruce Beutler iria prosseguir os estudos de Hoffmann, ao desvendar como mamíferos são parecidos com insetos na hora em que recebem hóspedes indesejados.
Nascido em Chicago, no ano de 1957, ele tentava descobrir como mamíferos poderiam detectar bactérias a partir de um produto que elas produziam: o lipopolissacarídeo (LPS).
Trabalhando com camundongos, Beutler descobriu que alterações em um gene dos roedores os tornava resistentes à presença do LPS, o que impedia que esses animais se protegessem das ameaças.
Esse gene era muito parecido com o gene Toll, da mosca-de-fruta. No inseto, o gene Toll produz proteínas que servem como "alarmes" para o LPS encontrado nos parasitas. Ao detectar as ameaças, os animais começam a provocar inflamações para proteger o corpo.
O resultado da pesquisa dos dois cientistas foi conhecer os sensores que formam a primeira barreira aos micro-organismos no corpo.
O canadense Ralph Steinman foi o responsável por descobrir, em 1973, as células dendríticas. A presença dessas células faz os linfócitos T - células importantes na defesa do corpo - trabalharem.
Os linfócitos T são as mesmas células atacadas pelo vírus causador da Aids. Quando não funcionam, o corpo das pessoas fica frágil contra doenças oportunistas como a pneumonia e a gripe.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cientista quer transformar galinha em dinossauro

O paleontólogo Jack Horner quer recriar um dinossauro a partir do DNA da galinha. A intenção é fazer a evolução reversa, ou seja, fazer ressurgir traços genéticos dos ancestrais nos animais modernos.
Nas últimas décadas, paleontologistas – incluindo Horner – têm encontrado uma ampla evidência para provar que os pássaros modernos são descendentes de dinossauros – há semelhança desde o jeito com que colocam os ovos nos ninhos até detalhes da anatomia dos ossos. Há similaridades entre os pássaros atuais e os ancestrais carnívoros de duas patas, como Tiranossauro Rex e Velociraptor.
Editora Globo
O que Horner quer é trazer à tona essas semelhanças em um processo chamado atavismo, ou seja, a reaparição de características vindas de um antepassado que não havia se manifestado nas gerações intermediárias. Um exemplo disso seria um bebê humano que nasce com mamilo extra ou, muito raramente, com uma cauda.

Como é um fenômeno raro, a proposta de Horner é criar atavismos experimentais em laboratório. Desse modo, ele ativaria o máximo possível de características ancestrais de uma galinha até chegar próximo de um dinossauro.
Essa ideia foi exposta pelo cientista recentemente na TED Conference, encontro anual de tecnologia, entretenimento e design que acontece na Califórnia (EUA).

“É uma loucura”, declarou Horner na ocasião. “Mas ainda assim é possível”, disse.
Em entrevista à revista Wired, o paleontólogo e cientista deu detalhes de sua tese.
Segundo Horner, pesquisas já descobriram pistas instigantes que apontam que algumas características de dinossauros podem ser reativadas.

Não se trata de reproduzir a ideia do filme Jurassic Park, de Steven Spielberg. No filme, o cientista Michael Crichton usa DNA de dinossauros, preservados no fóssil de insetos sugadores de sangue, para reproduzir o animal pré-histórico.

Horner, inclusive, foi um dos consultores do filme e, após analisar essa ideia, descartou a possibilidade de clonagem.

Ele concluiu que o DNA se rompe muito rápido, mesmo que o fóssil esteja bem conservado. Então Horner foi buscar na biologia que estuda a evolução uma forma de recriar dinossauros.

Para desenvolver a tese de que é possível criar dinossauros a partir da galinha, Horner tomou como base um livro de biologia da década de 80 chamada “Endless Forms Most Beautiful”, do biólogo Sean Carrol.

O livro ajudou a lançar as bases para o campo da biologia evolutiva, que se concentra em descobrir os mecanismos moleculares da evolução. É fato que os seres vivos mudam ao longo das gerações, segundo a aleatória mutação genética e os efeitos do meio ambiente. Porém, os biólogos queriam determinar, exatamente, o que ocasiona essas mudanças.
Usando moscas de frutas, o estudo separou um grupo de genes que controla a forma como se estrutura o corpo da mosca, chamado Hox. Surpreendemente, estes genes são encontrado em tudo, desde vermes até humanos.

Esses genes são a chave que regula o desenvolvimento. Ou seja, eles controlam o momento em que uma parte do corpo vai se estruturar. Por exemplo, determinam a arquitetura de seis patas de um inseto ou as barbatanas de um peixe.

Com isso, foi possível concluir que formas diferentes do corpo não são resultados de genes diferentes, mas de usos diferentes durante o desenvolvimento.

Assim, fazer um ovo de galinha chocar um dinossauro bebê pode ser apenas uma questão de apagar o que a evolução tem feito para a tornar uma galinha.
Cada célula de uma galinha carrega o código para fazer um tiranossauro, mas a forma como os genes fizeram a leitura ao longo do tempo mudou. O que Horner quer fazer é controlar esses genes e, assim, conseguir transformar a galinha em um dinossauro.

Por enquanto, é só uma teoria. Mas já tem balançado biólogos e a comunidade acadêmica.

Para seguir com sua ideia, Horner esta à procura de um cientista de pós-doutorado na área de Biologia para se juntar ao seu grupo. Segundo o cientista, ele já tem algumas possíveis fontes de financiamento para seu projeto. 
Partes da Galinha que podem ser modificadas

- Dentes: o código básico para o desenvolvimento dos dentes ainda está presente nas células das galinhas, mas está em estado de dormência nos últimos 60 milhões de anos.

- Bicos: As aves têm um perfil inconfundível: os bicos. Pesquisadores de Harvard recentemente mexeram em alguns genes e conseguiram transformar um bico de galinha parecido ao focinho de um jacaré.

- Penas e pele: A textura áspera escamosa de pés de frango se aproxima da escamosa cobertura de terópodes – sem necessidade de modificação. O pássaro poderia parecer ainda mais com dinossauros por meio de cruzamento com espécies sem penas.

- Cauda – Dinossauros de duas patas contam com longas caudas rígidas para o equilíbrio. Galinhas vivem com uma curta. Pelo menos dois grupos de genes está envolvido na formação da cauda. Se os cientistas aprenderem a desligar os genes certos, eles podem ser capazes de dar uma longa cauda ao futuro "galinhossauro".

- Patas - A maioria dos terópodes tinham três dedos, mãos com garras afiadas para escalar, agarrar e cortar. Aves ainda têm os ossos dos dedos, mas eles são fundidos na asa. Controlando o processo de fusão no interior do ovo, os cientistas poderiam induzir uma galinha a nascer com as garras.

- Fêmur: em muitos animais o fêmur – maior osso do corpo – é quase horizontal. Alguns galos de briga da Ásia andam de cabeça erguida, como seus ancestrais. Os criadores de dinossauros podem começar com essa espécie para criar um galinhossauro, cujo modo de andar suportar o peso desta estatura.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

De servo a senhorMolécula de RNA assume o lugar do DNA como promessa para combater doenças

Cada uma de nossas células guarda a receita para o seu funcionamento na molécula de DNA, a dupla fita de ácido desoxirribonucléico em forma de escada em espiral. Para funcionar, porém, as células dependem da ação de uma família de moléculas mais simples e versáteis, em geral formadas por uma fita única de ácido ribonucléico: o RNA. A todo momento um tipo específico de RNA chamado mensageiro copia as instruções contidas nos genes e as envia ao local em que serão lidas para originar proteínas, os componentes fundamentais dos seres vivos. É uma tarefa mais complicada do que parece, pois o caminho percorrido pelo mensageiro é repleto de obstáculos e armadilhas. Como o capitão Gulliver, subjugado pelos minúsculos habitantes de Liliput no romance de Jonathan Swift, os mensageiros são freqüentemente interceptados e amordaçados, por vezes até desmembrados, por outra variedade de moléculas de RNA ainda menores: os micro-RNAs, que agem associados a um complexo de proteínas. A receita para produzir micro-RNAs está em trechos do DNA que até recentemente se pensava não terem função – por isso conhecidos como DNA-lixo. “Um lixo que é luxo”, afirma o biólogo molecular Carlos Menck, da Universidade de São Paulo (USP), que estima que entre 30% e 40% do genoma humano se dedique exclusivamente a produzir RNA com a função essencial de regular quase tudo o que acontece nas células. Em experimentos com o verme Caenorhabditis elegans, usado como modelo biológico de seres vivos mais complexos, os pesquisadores norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello demonstraram em 1998 que pequenas moléculas de RNA injetadas bloqueavam com eficiência a interpretação de certos comandos celulares – processo que batizaram de interferência por RNA. Dito de maneira simples, o RNA silenciava os genes, impedindo a produção de proteínas.
O trabalho de Fire e Mello valeu à dupla o Nobel de Medicina de 2006 e revelou a geneticistas e biólogos moleculares uma nova estratégia de assumir o comando celular e assim tentar combater de modo eficaz e definitivo problemas de origem genética como o câncer. Usando micro-RNAs como molde, pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos recentemente passaram a produzir em laboratório moléculas de RNA desenhadas especificamente para interferir no funcionamento de certos genes. Essas moléculas criadas artificialmente são os chamados RNAs de interferência, ou simplesmente RNAi, que à semelhança do DNA são formados por uma fita dupla em vez de simples. Assim como os micro-RNAs, os RNAi interceptam e destroem as informações celulares antes que sejam processadas e originem proteínas. Com o auxílio dessa ferramenta, equipes da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) começam a compreender melhor como surgem determinadas formas de epilepsia, câncer e enfermidades cardiovasculares. Também dão os primeiros passos para verificar o potencial dessas moléculas para controlar esses problemas de saúde, além de outros provocados por vírus, bactérias, protozoários e vermes.
“O RNAi tem um grande potencial terapêutico”, afirma a geneticista Iscia Lopes-Cendes, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Testes concluídos recentemente em seu laboratório indicam que o RNAi pode ajudar a combater a infestação pelo verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, problema que atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo. A equipe de Iscia preparou cópias de RNA para inativar um gene essencial para o metabolismo do S. mansoni e aplicou em camundongos infestados com o verme. Em seis dias, o número de parasitas nos camundongos era 27% menor, uma redução que os pesquisadores consideraram promissora como ponto de partida. Apesar do resultado esperançoso, a geneticista mostra-se cautelosa. “Ainda é preciso comprovar que os vermes realmente morreram como conseqüência direta da inibição por RNAi”, explica. Por essa razão, ela investiga agora o efeito do RNAi aplicado diretamente sobre os parasitas isolados, mantidos em placas de vidro. Além de eficaz, essa técnica promete menos efeitos indesejados nos casos em que se pretende combater microorganismos invasores como vírus, bactérias, protozoários ou vermes porque é possível desenhar uma molécula de RNA exclusiva para genes do parasita, sem correspondente nos seres humanos.
Antes dos experimentos, porém, foi preciso aprender a fabricar as cópias de RNAi. Durante o doutorado concluído em 2005 no grupo de Iscia, o bioquímico Tiago Pereira desenvolveu um programa de computador capaz de desenhar moléculas de RNAi sob medida. Foi um avanço e tanto não apenas para o grupo da Unicamp. Disponível gratuitamente no site do laboratório na internet, o programa criado por Pereira permite agora que os pesquisadores brasileiros interessados em usar o RNAi não dependam mais exclusivamente de empresas estrangeiras. Quem pretende silenciar um gene específico pode usar o programa da Unicamp para projetar o RNAi desejado e enviar a seqüência específica dessa molécula para empresas internacionais especializadas em produzi-la em grande quantidade.
Controlar doenças - Alguns dos RNAs desenhados pela equipe de Iscia já chegaram ao laboratório do cardiologista Kleber Franchini, em outro prédio da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Intrigado com o aumento do coração causado por hipertensão arterial, Franchini encomendou moléculas de RNA para interferir em processos celulares que levam ao crescimento e deterioração do coração em pacientes com hipertensão arterial, além de outras doenças cardíacas. Logo no primeiro dia após injetar RNAi nos camundongos com hipertensão, ele observou uma queda de 70% nos níveis de algumas proteínas que regulam a divisão celular, o que impediu os problemas funcionais que decorrem do aumento do coração. Melhor: esse efeito durou 15 dias, sugerindo que o RNAi pode, no futuro, se tornar uma forma de impedir o crescimento exagerado do músculo cardíaco, que em casos extremos prejudica o bombeamento de sangue para o organismo e pode levar à morte.
Em São Paulo, no Instituto do Coração (InCor), a bióloga Luciana Vasques usa essa técnica com o objetivo de resolver um problema decorrente de uma cirurgia que é parte da rotina dos cardiologistas: a ponte de safena, substituição de artérias obstruídas do coração por trechos da veia safena, retirada da coxa. Transplantada para o coração, a veia pode reagir ao novo ambiente promovendo a multiplicação de células musculares em suas paredes, que se tornam mais espessas, podendo prejudicar a passagem do sangue. Para inibir esse espessamento, Luciana testou moléculas de RNAi capazes de desativar um gene envolvido na proliferação celular em vasos sangüíneos. O tratamento reduziu em 70% a multiplicação de células de ratos in vitro. Agora Luciana tenta descobrir os efeitos dessa terapia nos ratos vivos.
Do problema à solução - Ao impedir o funcionamento dos genes, o RNAi faz mais do que tratar um problema. Também pode revelar sua origem. Na Unicamp, Iscia vem utilizando o RNAi para entender como surge a epilepsia. Ela silenciou genes ativados em estágios distintos do desenvolvimento cerebral de camundongos e constatou que formas diferentes de epilepsia originam-se em estágios específicos da vida. Wilson Araújo da Silva, biólogo da USP em Ribeirão Preto, tenta identificar como o mecanismo de regulação por RNA aciona ou desliga genes em momentos inadequados e, assim, levam ao surgimento de diferentes tipos de câncer. Atualmente no Ludwig Institute at Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, Silva projeta moléculas de RNAi para silenciar genes associados a tumores como de mama, pulmão e pele. “Provavelmente o silenciamento de genes não substituirá os procedimentos cirúrgicos, mas permitirá retardar o desenvolvimento de certos tipos de câncer”, comenta Silva.
Embora sejam necessários anos de pesquisa antes que o silenciamento esteja disponível para as pessoas, os resultados obtidos já permitem classificar o RNAi como a grande promessa da genética para curar doenças. É uma posição que já foi ocupada anos atrás pela terapia gênica, que tentava substituir genes defeituosos por outros saudáveis, mas ainda não funcionou como se esperava. Biólogos e geneticistas apostam no RNAi por duas razões: é uma técnica mais barata que a terapia gênica e, nos experimentos já realizados, chega a silenciar 90% dos genes escolhidos como alvo. Se de fato der certo, o silenciamento de genes pode significar uma injeção de prestígio no Projeto Genoma Humano. Considerado um dos grandes investimentos da ciência no final do século passado, o seqüenciamento dos genes humanos gerou certa decepção por não produzir um impacto imediato na área médica. Hoje é possível vasculhar o genoma de uma pessoa e identificar genes que indicam propensão a doenças. Mas, exceto em raros casos, essa informação não ajuda no tratamento ou na prevenção do problema.
O otimismo que rodeia o potencial terapêutico do RNAi pode ser medido pelo investimento da indústria, que financia entre 30% e 40% do trabalho de Franchini na Unicamp. Mais de 30 empresas farmacêuticas e de biotecnologia já buscam usar essas moléculas em medicina. Um exemplo é a Sirna Therapeutics, criada para desenvolver tratamentos à base de RNAi e em dezembro de 2006 comprada pela Merck, uma das gigantes mundiais da indústria farmacêutica. Nas palavras do presidente da Sirna, a empresa pretende estar “prestes a mudar a medicina moderna, potencialmente parar doenças antes que possam progredir e, em alguns casos, reverter o próprio processo da doença”. A Sirna pretende tratar assim qualquer doença humana – talvez um exagero de otimismo, mas para algumas doenças o RNAi tem se mostrado de fato eficaz em testes clínicos.
Nós a desatar - Antes que essa promessa se concretize, porém, restam vários nós a desatar. O mais importante é determinar se o RNAi é realmente seguro para seres humanos. Assim como pode interromper o funcionamento de genes associados a doenças, o silenciamento também é capaz de afetar outros responsáveis por funções importantes das células, como controlar a sua proliferação – desarranjo que pode dar origem a câncer. Outra dificuldade é fazer as moléculas de RNAi atingirem o alvo correto, uma vez que injetadas na corrente sangüínea elas geralmente se dispersam pelo organismo antes de se concentrarem nos rins, de onde são excretadas sem terem atingido o objetivo. Tenta-se contornar esse problema indicando o uso do RNA terapêutico para enfermidades que podem ser tratadas por meio de aplicações localizadas, como injeções feitas diretamente no olho para combater a degeneração macular da retina, o uso de sprays contra a asma ou aplicações de cremes vaginais contra infecções.
No mundo todo ainda se buscam formas de aumentar a estabilidade e a durabilidade do RNAi no organismo. Muitas vezes os efeitos que produz ainda são efêmeros – essas moléculas não se multiplicam dentro das células e podem ser degradadas por enzimas específicas para RNA. Uma estratégia adotada por alguns pesquisadores como Luciana, do InCor, é inseri-las no material genético de um vírus inócuo para seres humanos. Esses vírus invadem as células que atingem e inserem seu material genético no genoma do hospedeiro. Essas células passam então a fazer cópias do RNA terapêutico junto com as cópias de seus próprios genes, com um possível efeito permanente. Outros, como Iscia, da Unicamp, preferem fazer aplicações localizadas de moléculas “nuas” de RNAi, com pequenas alterações que aumentem a sua estabilidade.
“Uma de nossas preocupações é saber o que acontece no organismo no médio e no longo prazo”, diz Iscia. Apesar desses nós, comuns a qualquer área da ciência em fase inicial de desenvolvimento, os geneticistas se mostram otimistas e acreditam que em breve se conhecerá o suficiente sobre o funcionamento do RNAi para superar essas dificuldades. “A ciência do RNAi está apenas começando; por isso os projetos de pesquisa na área devem ser induzidos”, afirma Carlos Menck, que coordena um dos quatro laboratórios que integram o Centro de Terapia Gênica e Vacinas da USP, fundado há cerca de três anos. Enquanto isso não ocorre, ele age por conta própria e tenta arrebanhar seus colegas, que ainda trabalham sobre o mesmo tema, mas de forma isolada. “O silenciamento de genes com o RNAi pode dar unidade real ao centro, pois se presta às indagações de todos os seus pesquisadores”, diz. Atitudes como essa talvez consigam fazer Gulliver se erguer e assumir o controle sobre os liliputianos.

FEIJÃO TRANSGÊNICO BY BRASIL

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou na quinta-feira (15/09) a produção de um feijão geneticamente modificado desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A alteração impede que a planta contraia a doença conhecida como mosaico dourado, capaz de dizimar plantações inteiras. “O que está em jogo não é só o feijão”, afirma o engenheiro agrônomo Francisco Aragão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), um dos responsáveis pelo desenvolvimento do novo transgênico junto com Josias Faria, da Embrapa Arroz e Feijão. “O que está em jogo é também o fato de que demonstramos que é possível gerar e produzir essa tecnologia no Brasil, e numa instituição pública.”
O mosaico dourado causa danos em todos os lugares em que se cultiva feijão nas Américas. No Brasil, só não é um problema no Rio Grande do Sul, onde a mosca-branca transmissora não se adapta bem ao frio. Segundo estimativas da Embrapa Arroz e Feijão, entre 9 e 18 milhões de pessoas encheriam os pratos de feijão com as safras perdidas para a doença.
Para combater o vírus, os pesquisadores da Embrapa fizeram uso dos próprios mecanismos de defesa do feijão. Aragão explica que as plantas, em vez de anticorpos, combatem as doenças com pequenos fragmentos de RNA, o RNA de interferência (RNAi). É um sistema imunológico inato, embutido no material genético do organismo. No caso específico do feijão e desse tipo de vírus, o RNAi evita que seja produzida uma proteína (REP) essencial para a replicação dos invasores. Mas essa defesa não é ativada de imediato, e por isso com frequência não basta para conter a multiplicação do vírus. “É como uma barragem com um furinho que vai se alargando à medida que a água passa”, compara. “O que nós fizemos foi tapar o furo.”
Eles “taparam” o furo antecipando a produção dessas moléculas de RNAi. Isso foi possível pela inserção no DNA da planta do trecho do material genético viral para a produção dos pequenos RNAs que regulam a produção da proteína REP. Essas moléculas também são produzidas no feijão comum, mas na planta transgênica um promotor (algo como um interruptor que, quando ligado, ativa o gene a que está atrelado) constitutivo faz com que esse RNA seja produzido o tempo todo. Assim, o vírus é combatido de imediato a qualquer momento que entre nas células das folhas, das vagens ou do caule do feijão.
Mas, para que uma planta transgênica seja aprovada, não basta fazer a engenharia genética. Aragão e seus colegas vêm estudando a planta desde 2005, e viram que nada é alterado. “Fizemos a caracterização molecular, agronômica e nutricional em termos de vitaminas, aminoácidos e açúcares”, conta o pesquisador. Eles também alimentaram animais com o feijão modificado, e não detectaram alteração alguma.
Além de reduzir a mortalidade nas lavouras de feijão, o aumento na capacidade de a planta combater a doença por conta própria reduziria em muito o uso de inseticidas nas plantações, usados para combater as moscas-brancas. A produção se tornaria assim menos nociva à saúde e também mais barata.
A aprovação na CTNBio se deu por votação depois de análise técnica de um relatório de 500 páginas elaborado pelos pesquisadores da Embrapa. Mas ela não é o fim do caminho. “Vamos agora fazer os ensaios para registrar as principais variedades de feijão, que devem demorar um ano e meio”, conta Aragão. Os estudos até agora foram feitos com o feijão-carioquinha, o mais plantado no país. Em seguida, será a vez do feijão-preto e do roxinho. “Em 3 anos devemos ter as sementes para os produtores”, prevê. Outra vantagem desse feijão modificado é a estabilidade: a partir da leva inicial, os produtores serão capazes de produzir por conta própria as sementes com as mesmas características.
Isso, claro, se a aprovação se mantiver. “Os ativistas contra transgênicos são mais enfáticos contra esse transgênico, produzido no Brasil, do que contra os feitos pelas grandes empresas internacionais”, lamenta Aragão. Para Walter Colli, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e presidente da CTNBio entre 2006 e 2009, “a justiça cometerá uma injustiça se barrar o feijão da Embrapa”. Ele explica que a comissão é constituída por lei e composta por cientistas que entendem dos processos íntimos da genética e advogados, habilitados para avaliar os possíveis riscos das modificações feitas nas plantas.
“A tecnologia empregada por Aragão é limpa, linda e original”, sentencia Colli. Caso entre de fato em produção, o feijão da Embrapa será a primeira variedade modificada produzida no Brasil, sem participação das grandes empresas multinacionais.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Novidade sobre a Evolução das Aves

A revista especializada Science divulgou nesta quinta-feira imagens de estruturas primitivas que podem representar os mais antigos "experimentos" evolucionários que levaram ao aparecimento das penas - chamados pela publicação de "dinoplumas" (os primeiros animais a terem penas eram dinossauros). Segundo os pesquisadores, as penas foram tão bem preservadas que é possível observar "sugestões" das cores que elas tinham.
Segundo o site da publicação, as penas primitivas (chamadas pelos cientistas de protopenas) foram encontradas presas em âmbar - que preservou as estruturas. O paleontólogo Ryan McKellar, da Universidade de Alberta (Canadá) as encontrou ao explorar os depósitos dos museus canadenses.
McKellar estudou mais de 4 mil peças de âmbar, descobriu 11 que continham as estruturas e encontrou, em algumas, muitas similaridades com as penas modernas - como pequenos filamentos parecidos com os encontrados nas aves contemporâneas.
Primeiras penas era encontradas em dinossauros. Foto: Science/AP
Por outro lado, outras estruturas não lembram em nada as criaturas que vivem hoje. O paleontólogo afirma que algumas têm filamentos minúsculos, com cerca de 16 micrômetros (o tamanho dos mais finos fios de cabelo humano) regularmente espaçados. Eles não têm paredes celulares - o que indica que não são plantas nem fungos. Em nível microscópico, também são diferentes dos pelos de mamíferos. "Nós não temos certeza do que (essas estruturas) são, mas temos bastante certeza do que elas não são", diz o pesquisador. McKellar diz que podem ser protopenas, já que lembram estruturas carbonizadas encontradas em alguns fósseis chineses preservados em sedimentos.
O ornitólogo Richard Prum, da Universidade de Yale - não envolvido diretamente com a pesquisa -, afirma à Science que McKellar e seus colegas apresentaram "uma excitante e ampla amostra de penas". Contudo, ele diz que é difícil afirmar que algumas das estruturas são protopenas, já que faltam alguns detalhes característicos - como um pequeno pedaço de osso ou uma amostra de pele, o que deixa a possibilidade de que elas não sejam relacionadas aos dinossauros. As amostras, inclusive, podem estar relacionadas a algo totalmente desconhecido que não havia sido preservado em fósseis anteriormente.
Dinossauros com penas
O dinossauro mais antigo com penas conhecido é o Anchiornis huxleyi, que viveu entre 151 milhões e 161 milhões de anos atrás no que hoje é o nordeste da China. Acredita-se que ave mais antiga foi o Archaeopteryx, que viveu onde hoje é a Alemanha há cerca de 150 milhões de anos

sábado, 3 de setembro de 2011

Dieta determina bactérias intestinais

© Eduardo Cesar
Carne e gordura: Bacteroides
Agora é possível, a partir de uma amostra de fezes, determinar certas características da dieta de uma pessoa. Se carne e gorduras forem o alimento dominante, as bactérias mais frequentes serão do gênero Bacteroides. Já quem prefere comer carboidratos e açúcares simples tem o intestino repleto de Prevotella. “Essas bactérias podem ou não estar associadas à causa de doenças”, pondera Christian Hoffmann, biólogo brasileiro da Universidade Federal de Goiás. Ele participou do estudo que determina o perfil bacteriano – ou enterotipo – ligado à dieta, liderado por Gary Wu, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde o brasileiro faz parte de sua pesquisa de doutorado. O artigo foi publicado hoje (1º/09) na edição on-line da Science (Sciencexpress).
Quem já levou bronca do médico sabe muito bem que uma dieta rica em gorduras aumenta o risco de doença cardíaca; a novidade agora está em incluir na equação as bactérias (microbiota) que vivem no intestino e são essenciais na digestão humana, no desenvolvimento do sistema imune, entre outras contribuições. É possível que problemas de saúde criem um ambiente alterado no sistema digestivo que acabe propiciando a proliferação de um tipo de bactéria em detrimento de outro. Mas Hoffmann alerta: não se pode descartar que a própria microbiota dê origem a processos inflamatórios e seja nociva à saúde. Há, por exemplo, uma associação entre certas bactérias e a doença de Crohn, uma inflamação intestinal crônica. Resta descobrir qual é causa e qual é consequência.
A grande surpresa do estudo da Science foi verificar que parte da microbiota varia de imediato conforme a alimentação, mas as bactérias dominantes são mais estáveis: o enterotipo se mantém mesmo com alteração na dieta, pelo menos ao longo de um experimento de dez dias. Por isso, caso venha a ser comprovada uma relação causal entre bactérias e problemas de saúde, não basta fazer uma semana de dieta. “Além de poder indicar uma mudança de longo prazo na alimentação, seria ótimo poder dar um iogurte bem específico para alterar a microbiota”, imagina o pesquisador.
A descoberta ainda é inicial e, mais do que trazer respostas, reforça uma maneira integrada de pensar na saúde, levando em conta uma comunidade de organismos. Afinal, no corpo de qualquer pessoa há dez vezes mais bactérias do que células humanas. “A gente não é simplesmente humano, somos metaorganismos”, resume Hoffmann

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Cientistas descobrem causa da mais mortal das epidemias

Entre os anos de 1347 e 1351, um terço dos moradores da Europa morreu devido à chamada peste negra. Estima-se que entre 30 milhões e 50 milhões de europeus sucumbiram à doença. Mas os cientistas nunca tinham entendido qual foi o causador exato da doença. Agora, pesquisadores das universidades McMaster (Canadá) e de Tubingen (Alemanha) afirmam ter confirmado através de um novo método de análise de DNA a hipótese de que o causador foi a bactéria Yersinia pestis (causadora da peste bubônica moderna), mais exatamente uma variedade extinta.
Segundo as duas universidades, os cientistas que não acreditavam na Yersinia pestis como causadora da peste negra afirmavam que os testes de DNA usados estavam contaminados. Além disso, a versão moderna da bactéria, que ainda é extremamente mortal, espalha-se de maneira muito mais lenta do que ocorreu durante a epidemia medieval.
Hendrik Poinar, pesquisador da instituição canadense, afirma em nota que o patógeno da peste negra deve ser uma variante que agora está extinta, conforme indicam dados preliminares. Ele diz que a bactéria atuava em genes que facilitavam a transmissão - que era causada por pulgas, o que estimulava a proliferação dos micro-organismos no sistema respiratório.
Os cientistas estudaram 109 corpos encontrados em um sítio arqueológico próximo a Londres e outros 10 no sítio de St. Nicholas Shambles (este anterior à epidemia), também no Reino Unido, utilizando um novo método de análise de DNA. No primeiro local, os pesquisadores conseguiram distinguir os genes presentes da Yersinia pestis.
"O próximo passo é sequenciar o DNA inteiro e eu estou confiante de que esta nova técnica vai nos levar a respostas que mudarão nosso entendimento da história da praga e nosso conceito de doenças emergentes e reemergentes", diz Poinar.
Os cientistas acreditam que a peste negra já foi responsável por duas outras grandes epidemias - em 541 d.C. (a "praga de Justiniano") e no século XX, também na Europa. A variedade moderna da bactéria é extremamente mortal - cerca de 2 mil pessoas morrem por ano por causa da peste bubônica, afirmam as duas universidades.
O artigo que descreve o estudo está disponível gratuitamente para download (em inglês) pela revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) no endereço www.pnas.org/content/early/2011/08/24/1105107108

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Bactérias contra a dengueNova cepa de Wolbachia impede que o mosquito Aedes aegypti transmita a doença para seres humanos

© Eliminate Dengue Program
Pesquisadores inseriram bactéria em mosquito transmissor da dengue, na Austrália
Uma equipe internacional de pesquisadores parece ter encontrado uma via de combate à dengue que pode ser combinada às atuais formas de controle da doença, como o uso de inseticidas e campanhas de prevenção. O grupo descobriu que uma nova cepa da bactéria Wolbachia, uma vez inserida em mosquitos Aedes aegypti, impede que eles transmitam a doença para as pessoas, sem prejudicar os próprios insetos. O estudo, publicado na Nature no dia 24 de agosto, contou com a participação do engenheiro agrônomo Luciano Andrade Moreira, do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, em Minas Gerais. Ele tenta agora obter apoio do Ministério da Saúde para realizar estudos com variedades do vírus da dengue comuns no Brasil e mais adiante verificar o que ocorreria se os insetos inoculados com as bactérias fossem soltos no ambiente.
Os pesquisadores já sabiam que a mesma bactéria, em geral encontrada nas pequenas moscas-das-frutas Drosophila, evitava infecções por vírus nesses insetos. A partir dessa observação decidiram inserir a bactéria nos mosquitos que transmitem o vírus da dengue para ver o que acontecia. Os testes mostraram que o Aedes aegypti com a bactéria se contaminava com o vírus, mas não o passava para as pessoas. Segundo Moreira, ainda não se sabe por que a Wolbachia bloqueia a capacidade de os mosquitos transmitirem o vírus da dengue. “Pode ser que haja uma competição em nível celular entre o vírus e a bactéria, presente desde o intestino até as glândulas salivares do Aedes aegypti”, afirma. “Além disso, o inseto com a bactéria tem a imunidade melhorada”, completa.
O estudo também mostrou que a bactéria é transmitida de geração em geração dos Aedes e que os mosquitos com Wolbachia têm vantagem reprodutiva sobre os demais. Isso porque a fêmea com a bactéria é capaz de produzir ovos depois de cruzar com machos infectados ou não pela Wolbachia. Já as fêmeas sem bactéria só conseguem se reproduzir quando cruzam com machos também não infectados. A tendência esperada pelos pesquisadores é que com o tempo a população de mosquitos com bactéria se torne predominante, reduzindo o risco de transmissão de dengue.
Moreira explica que a bactéria inserida no mosquito não deve causar problemas ao ambiente nem às pessoas. Depois de quase dois anos testando diversas possibilidades na Austrália, onde exemplares foram soltos em campo, os pesquisadores não encontraram indícios de que a bactéria seja transmitida para animais que se alimentam dos mosquitos, como lagartixas ou aranhas, nem que saia com a saliva do mosquito ao picar as pessoas.
A equipe formada também por pesquisadores americanos e australianos, liderados por Scott O'Neill, da Monash University, na Austrália, investiga desde 2005 essa estratégia. Para os primeiros cinco anos de trabalho, o grupo recebeu US$ 12 milhões, parte doada pela Fundação Bill & Melinda Gates. Em estudo publicado em 2009 na Cell, o grupo já havia mostrado que outra cepa da bactéria causava no Aedes aegypti os mesmos efeitos verificados no trabalho atual, mas dificultava a reprodução do inseto. Nem todos os ovos permaneciam intactos no ambiente como ocorre naturalmente e as larvas morriam antes de se desenvolverem. Isso impedia que a bactéria fosse transmitida para descendentes. “Diferentemente do que verificamos hoje, esses mosquitos infectados em laboratórios por essa outra cepa poderiam ter mais dificuldades de se estabelecerem na natureza. O que não seria interessante”, diz o agrônomo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ambiguidade sexual

Um prêmio concedido nos Estados Unidos pela primeira vez a um pesquisador brasileiro, a endocrinologista Ana Claudia Latronico, de 39 anos, chamou a atenção para a produtividade científica de uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) que lida com um material riquíssimo. Todos os meses, o grupo da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento do Hospital das Clínicas da USP atende 400 pessoas vindas de todo o país com distúrbios hormonais que impedem o crescimento normal de crianças, interferem na puberdade de adolescentes ou geram anomalias no desenvolvimento dos órgãos sexuais, como o hermafroditismo, em que o indivíduo nasce com ovários e testículos, além de genitais externos mal definidos.

Tamanha diversidade de pacientes - e a oportunidade de tratá-los e acompanhá-los - transformou a unidade em um centro de pesquisa de referência internacional. É ali que, sob a orientação de Berenice Bilharinho de Mendonça, Ana Claudia participa há 12 anos de uma série de estudos pioneiros que descrevem novas mutações genéticas causadoras de doenças hormonais. O conjunto desses trabalhos é que rendeu a Ana Claudia o Prêmio Richard E. Weitzman, concedido em junho pela Sociedade Americana de Endocrinologia a pesquisadores com menos de 40 anos de idade.

A equipe de 25 pesquisadores liderada por Berenice - mulheres, na maioria, como é comum na área de endocrinologia - enfrenta diariamente o desafio de mostrar a quem aparece por lá em busca de atendimento que em geral é possível tratar esses problemas genéticos marcados por um forte preconceito. É o caso da identificação do sexo de indivíduos que nascem com genitais ambíguos - com estruturas masculinas e femininas completas ou não. Esse problema compreende três grupos de doenças diferentes.

Um é o hermafroditismo verdadeiro, em que o indivíduo apresenta ovários e testículos e os órgãos genitais externos com estruturas masculinas e femininas, a chamada ambigüidade genital. Geneticamente, a maioria dos hermafroditas verdadeiros tem em cada célula dois cromossomos X - os homens normais têm um cromossomo X e um Y e as mulheres, dois X. Portanto, eles deveriam ser mulheres. Mas como explicar o desenvolvimento dos testículos? Provavelmente,isso se deve a alterações em genes ainda desconhecidos que atuam como o gene SRY do cromossomo Y, responsável pela formação dos testículos.

O segundo grupo é o pseudo-hermafroditismo masculino: do ponto de vista genético, o indivíduo é um homem (XY), mas o pênis não se desenvolve completamente e a abertura da uretra fica em posição anormal. "Os pseudo-hermafroditas deveriam ter sido homens normais, mas não foram completamente virilizados, por causa de defeitos ocorridos ao longo do desenvolvimento sexual embrionário", diz Berenice. Até os dois meses de gestação, lembra ela, os homens e as mulheres têm a genitália idêntica - o que os diferencia, a partir desse momento, é a ação do hormônio sexual masculino, a testosterona.

As mulheres pseudo-hermafroditas constituem a terceira categoria: apresentam dois cromossomos X e possuem o aparelho reprodutor feminino completo, como toda mulher qualquer, mas durante a vida intrauterina sofreram um processo de virilização dos genitais: o clitóris cresce excessivamente e se apresenta como uma estrutura semelhante ao pênis. Desde 1976, chegam a 500 os casos de ambigüidade genital diagnosticados nessa unidade do Hospital da Clínicas da USP. A causa mais freqüente - responsável por um em cada três casos - é uma doença de nome complicado, a hiperplasia adrenal congênita virilizante. Mutações no gene CYP21A2 resultam na deficiência de uma enzima, a 21 hidroxilase.

A escassez dessa enzima impede a síntese do hormônio cortisol, produzido nas glândulas supra-renais. Numa reação em cadeia, a falta desse hormônio aciona uma glândula da base do cérebro, a hipófise, que intensifica a produção de outro hormônio, o hipofisário corticotrófico, estimulante da atividade das supra-renais. Em resposta a esse estímulo, as supra-renais aumentam de tamanho e produzem mais hormônio masculino, a testosterona. Nos fetos do sexo feminino, o excesso desse hormônio provoca virilização: as mulheres nascem com um clitóris hipertrofiado, que lembra um pênis, e uma bolsa escrotal sem testículos, que recobre completamente a vagina.

Mas o aparelho reprodutor interno e os cromossomos são de uma mulher, caracterizando um caso clássico de pseudo-hermafroditismo feminino. "Às vezes, mesmo em berçários de maternidades grandes, esse tipo de bebê é registrado como menino", diz Berenice. Sem o auxílio de exames hormonais e da determinação dos cromossomos sexuais, médicos se confundem e imaginam que se trata de um bebê do sexo masculino cujos testículos só irão descer para a bolsa escrotal mais tarde. Nos fetos do sexo masculino, a mutação desse gene faz com que haja apenas o crescimento anormal das supra-renais, sem alterações nos genitais externos.

Duas pesquisadoras dessa equipe, Tânia Bachega e Ana Elisa Billerbeck, descobriram, nos últimos quatro anos, cinco novas mutações do CYP21A2, como parte dos resultados de dois projetos temáticos apoiados pela FAPESP. Desse modo, a análise de mutações genéticas ligadas a doenças sexuais integrou-se ao diagnóstico pré-natal, permitindo assim às mulheres que já tiveram uma filha pseudo-hermafrodita evitar que o problema se repita. No terceiro mês de gestação, a futura mãe submete-se a um exame de um fragmento da placenta que revelará se o embrião é do sexo feminino e se apresenta alguma alteração no gene CYP21A2.

Se o teste indicar mutações, a equipe de Berenice sabe como evitar as conseqüências: a mãe deverá tomar um medicamento, o corticóide sintético dexametasona, que evita que os órgãos sexuais da menina se apresentem como os de um menino. Chegando ao feto por meio da corrente sangüínea, a dexametasona ingerida pela mãe inibe a produção excessivado hormônio adenocorticotrófico (ACTH), que impede a produção exagerada do hormônio sexual masculino. Nesse caso, a equipe brasileira desenvolveu os estudos moleculares e atestou no Brasil a eficácia desse tratamento, criado em meados dos anos 70 na França.

Puberdade precoce

A identidade sexual se cristaliza por volta dos 2 anos de idade e, depois disso, é muito complicado mudá-la. Por essa razão, lembra Berenice, identificar precocemente a disfunção é essencial para evitar traumas nos pais e na criança. Mas, lamentavelmente, o diagnóstico tardio ainda ocorre com freqüência no Brasil. Metade dos casos de ambigüidade genital que chegam a esse ambulatório do HC é de pessoas adultas. Nesses casos, definir o sexo torna-se uma questão que não se resume à genética. Pode estar escrito no núcleo de cada célula se um indivíduo é uma mulher, se apresenta dois cromossomos X, mas o que fazer se foi criado como homem e desenvolveu uma identidade masculina? A equipe de Berenice enfrentou um caso desse tipo em junho, quando apareceu um hermafrodita verdadeiro, de 20 anos, com genitais masculinos e femininos.

Havia sido registrado como mulher, mas criado como homem. Ele (o nome não pode ser divulgado, em respeito à privacidade) chegou ao HC depois de cumprir um calvário de constrangimentos públicos. Nascido no interior de Pernambuco, veio a São Paulo em busca de tratamento e foi parar num desses programas de televisão vespertinos que tratam anomalias como atração de circo. O programa lhe ofereceu tratamento médico, mas ele deveria dizer para a namorada, ao vivo, que era hermafrodita - ela não sabia.

Aproveitando a exposição no programa, um médico disse que se disporia a tratá-lo, de graça. A violência moral só terminou quando o rapaz fez os exames para iniciar o tratamento e outro médico - um herói anônimo - encaminhou-o para o Hospital das Clínicas. A análise cromossômica, embora apresentasse genitais ambíguos, identificou dois cromossomos X. Portanto, geneticamente era do sexo feminino. Por opção própria, como apresentava identidade masculina, submeteu-se à retirada do útero, ovários e vagina e à chamada masculinização (a uretra foi transposta para a glande) dos genitais externos.

Com freqüência, as pesquisas desse grupo da USP desvendam a origem de doenças raras ou que se confundem com outras, desse modo incentivando a busca de novos tratamentos. Por exemplo, um estudo conduzido pela médica Sorahia Domenice, publicado em setembro de 2001 noJournal of Clinical Endocrinology and Metabolism , mostrou que uma mutação já conhecida do gene DAX1 produzia manifestações mais amplas do que se acreditava. Os principais sintomas da doença eram o funcionamento precário da supra-renal e o atraso da puberdade.

A equipe do HC descreveu há dois anos outra mutação no gene DAX1, encontrada em um menino, que, em vez do atraso, provocou puberdade precoce, com o surgimento de caracteres sexuais antes dos 3 anos de idade. Em um estudo de grande repercussão publicado em 1996 noNew England Journal of Medicine , os pesquisadores do HC descreveram um defeito genético no receptor do hormônio luteinizante (ou LH, na sigla em inglês), produzido pela hipófise, que estimula a fabricação de testosterona pelos testículos. Com a mutação no receptor do LH, o organismo não produz testosterona em quantidades adequadas e os fetos, embora apresentassem cromossomos masculinos, nasciam com genitália feminina ou ambígua.

Um ano depois de pesquisadores do Hospital Universitário de Nijmegen, da Holanda, terem publicado a primeira descrição de uma mutação no receptor de LH causando pseudo-hermafroditismo masculino, o estudo brasileiro mostrou que o espectro dessa anomalia era maior, ao descrever um menino com micropênis e um efeito até então desconhecido: as irmãs dos portadores de pseudo-hermafroditismo masculino, devido à mutação do receptor do LH, são inférteis, com menstruação irregular ou ausente.

A médica Regina Martin comprovou este ano a origem genética de outra moléstia rara, o excesso de aromatase, uma enzima que transforma testosterona em estrógeno, o hormônio feminino. Essa disfunção genética resulta do excesso de produção de estrógeno e faz os meninos apresentarem micropênis e desenvolverem seios, enquanto as meninas sofrem aumento do útero e crescimento exagerado dos seios. Em todos os casos, a síndrome provoca baixa estatura. O estudo que descreve a quinta família encontrada no mundo com essa doença - e a primeira no Brasil - saiu em junho noJournal of Clinical Endocrinology and Metabolism .

Baixa estatura

Um mês antes, Maria Cândida Fragoso publicou nessa mesma revista uma pesquisa sobre a identificação de duas mutações genéticas que podem causar a síndrome de Cushing ACTH-independente, doença caracterizada pelo aparecimento nas supra-renais de nódulos que produzem em demasia o hormônio cortisol, regulador do metabolismo do açúcar e da pressão arterial. O excesso desse hormônio na circulação provoca uma série de efeitos colaterais, como obesidade localizada no centro do corpo, a face em forma de lua cheia, atrofia da pele e hipertensão arterial
Segundo Berenice, a descoberta das mutações genéticas não altera os rumos do tratamento - que consiste na retirada das supra-renais seguida de reposição hormonal -, mas ajuda a entender essa doença, que pode ser causada por vários mecanismos diferentes. Até então, só se conhecia uma causa da moléstia: alguns pessoas produziam cortisol em excesso, devido, por exemplo, ao peptídeo chamado GIP, secretado pelo pâncreas em resposta à chegada de alimentos ao aparelho digestivo.

Outra especialidade do grupo do HC é o estudo de doenças endocrinológicas que levam à baixa estatura, que afeta 3% da população. Nessa área, um trabalho de grande repercussão, devido à sua aplicabilidade, foi feito no ano passado pelo douto-rando Alexander Jorge, que mostrou a fragilidade do teste mais usado no diagnóstico de casos em que as aplicações do hormônio de crescimento parecem não funcionar para corrigir a baixa estatura. Jorge verificou que não havia reprodutibilidade: dois testes com amostras idênticas não apresentam os mesmos resultados.

Este ano, em outra pesquisa, Eveline Gadelha, ex-aluna de Berenice e hoje professora na Universidade Federal do Ceará, avaliou a precisão dos exames que embasavam o diagnóstico de deficiência de hormônio de crescimento e concluiu: o diagnóstico laboratorial, muitas vezes, pode estar equivocado. As pesquisadoras, que publicaram os resultados deste estudo em maio naHormone Research , avaliaram 30 crianças normais e 26 com deficiência de hormônio de crescimento para definir o ponto de corte para os métodos mais modernos: a deficiência hormonal só pode ser realmente atestada quando a concentração de hormônio está abaixo de 3,3 nanogramas por mililitro de soro sangüíneo.

Segundo Berenice, os médicos ainda utilizam o corte de 7 nanogramas, válido para métodos de dosagem mais antigos, com sensibilidade menor. "Há crianças com diagnóstico de baixa estatura que tomam hormônio sem nenhum problema endocrinológico", alerta a pesquisadora. "São mais baixas que a média devido à herança genética dos pais." Para meninos ou meninas de 4 ou 5 anos, por exemplo, deficiência de hormônio de crescimento significa ter 7 a 8 centímetros abaixo da média da altura esperada. Luciani Carvalho, aluna de doutorado de Ivo Arnhold, do mesmo laboratório, descobriu recentemente uma nova mutação no HESX1, gene que interfere no desenvolvimento da glândula hipófise.

O defeito já era associado a uma manifestação gravíssima, a displasia septo-ótica: as vítimas nascem cegas e com alterações no sistema nervoso central. A contribuição desse estudo, a ser publicado noJournal Clinical Investigation , foi a descoberta de uma manifestação mais branda da mesma doença, quando o erro ocorre numa região diferente do gene. O caso que deu base à pesquisa pioneira é um exemplo típico da rotina do HC.

Em 1985, a equipe de Berenice atendeu uma garotinha de 5 anos vinda de Recife com deficiência de crescimento - tinha 87 centímetros, 20 a menos do que deveria. Era uma deficiência grave na produção de hormônios, que pôde ser tratada com reposição. Para crescer, a menina tomou hormônio de crescimento e hoje, aos 23 anos, alcançou 1,65 metro de altura. Desenvolveu o útero e seios e menstrua regularmente. Os pesquisadores descobriram agora na amostra de DNA dessa menina a origem exata da doença: uma mutação no gene HESX1.

Sua versão alterada só se expressa quando é herdada tanto do pai quanto da mãe, o que raramente ocorre, mas se deu nesse caso porque a menina era fruto de um casamento consangüíneo - os pais são primos. Antes dessa descoberta, seu caso se perdia em meio a centenas de outros. Na última década, a equipe de Berenice acumulou cerca de 300 amostras de DNA de brasileiros com baixa estatura de origem desconhecida e sabe que tem em mãos um tesouro genético que esconde histórias como a da garotinha do Recife.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cientistas descobrem gene relacionado ao surgimento do câncer

Transcrito na íntegra do site globo.com

Cientistas encontraram um gene cuja ausência provoca a aneuploidia – uma anomalia ligada ao surgimento o câncer. Essa anomalia consiste na mudança do número normal de cromossomos no núcleo de algumas células. A não ser nos casos em que o indivíduo tem alguma síndrome específica, as células humanas têm 46 cromossomos cada – exceto espermatozoides e óvulos, que têm 23.
A pesquisa publicada pela revista Science detectou que 20% das amostras de câncer no cérebro (glioblastoma multiforme), na pele (melanoma maligno) e nos ossos (sarcoma de Ewing) não produziam a proteína STAG2, por consequência de alguma mutação num gene com o mesmo nome.
Núcleo de célula cancerosa, sem o STAG2 (Foto: Science / AAAS)Núcleo de célula cancerosa, sem o STAG2 (Foto: Science / AAAS)
Durante a divisão celular, esse gene é responsável pela separação de cromossomos repetidos. Dessa forma, a ausência do gene aumenta as chances de que as células resultantes da divisão tenham um número irregular de cromossomos. Essas células têm potencial para desenvolver o câncer.
“Há tempos, os cientistas têm buscado a base genética para a aneuploidia nas células cancerosas, e nosso estudo traz uma percepção substancialmente nova para esse processo”, afirmou Todd Waldman, um dos cientistas envolvidos na pesquisa.
“Nos cânceres que estudamos, mutações no STAG2 parecem ser o primeiro passo para a transformação de uma célula normal numa célula cancerosa”, prosseguiu. “Agora, estamos vendo se o STAG2 pode sofrer mutações na mama, no colo, no pulmão e em outros cânceres comuns nos seres humanos”.

sábado, 13 de agosto de 2011

O AMIGO OCULTO DA PREGUIÇA

Olá internatutas...Vamos falar um pouco sobre interações entre os seres vivos e para tal escolhi a preguiça..o Texto baseia-se na publicação: SUUTARI. M. et al. Molecular evidence for a diverse green algal community growing in the hair of sloths and a specific association with Trichophilus welckeri (Chlorophyta, Ulvophyceae). BMC Evolutionary Biology. publicado on-line em 30 mai. 2010.


Não é nenhum segredo , pelo menos entre os biólogos e amantes da Biologia , nesse caso este que vos escreve, que o tom marrom-esverdeado dos grossos pelos das preguiças se deve à presença de organismos clorofilados. Algas verdes e cianobactérias (antigas algas azuis) escondidas na pelagem ajudam esses lentos mamíferos que vivem trepados nas árvores a se camuflar na mata e despistar seus predadores. Mas os pesquisadores não imaginavam que essa parte do corpo das preguiças pudesse abrigar um miniecossistema tão variado. Um estudo filogenético feito com amostras da pelagem de 71 animais, pertencentes às seis espécies de preguiça existentes, encontrou material molecular oriundo de 72 grupos distintos de organismos – desde aranhas, mariposas, besouros e baratas até um grande número de micróbios. Segundo um dos autores do trabalho, o Ecólogo Adriano Chiarello da PUC-MG , havia seres que eram produtores (algas), consumidores (protozoários) e decompositores (fungos) de alimentos e esse fato não era esperado. Outra informação interessante foi a grande incidência de um grupo de algas verdes do gênero Trichophilus, identificadas na pelagem de 73% das preguiças analisadas, independentemente de sua origem geográfica.
O dado reforça a ideia de que há realmente uma antiga relação de simbiose (entende-se por interações entre os seres vivos) entre as preguiças e as algas. Vale ressaltar que nesse caso a interação a ser considerada é o mutualismo. Esse tipo de mamífero só ocorre nas florestas tropicais da América Central e do Sul e os animais analisados no trabalho eram provenientes de quatro países: Brasil, Guiana Francesa, Costa Rica e Panamá. Os pesquisadores acreditam que uma espécie de alga verde, a Trichophilus welckeri, descoberta há mais de um século e meio, seja encontrada na natureza apenas nos pelos das preguiças. A alga foi descrita em 1841 em amostras da pelagem desses animais e nunca mais foi documentada em outros hábitats Provavelmente ela não está presente em mais nenhum ambiente, afirma a autora do trabalho. Assim, pode-se concluir que realmente é um interação interespecífica harmônica do tipo MUTUALISMO. Se essa hipótese estiver correta, trata-se de uma alga que acabou se desenvolvendo em paralelo à história evolutiva desses solitários escaladores de árvores, talvez estabelecendo uma estreita relação com seu hospedeiro por excelência.
Fonte de nutrientes - A pelagem das preguiças parece ser realmente um bom meio de cultura de algas. Tem estrias e fissuras e, ao contrário do pelo de outros mamíferos, absorve água. Além de fornecer um despiste cromático para os mamíferos, as algas talvez sejam uma pequena fonte extra de nutrientes que seriam absorvidos via difusão pela pele das preguiças. Outras hipóteses ainda não testadas têm sido propostas para explicar essa estreita ligação entre algas e preguiças. As algas poderiam, por exemplo, produzir substâncias que deixariam os pelos com a textura mais apropriada para o crescimento de bactérias benéficas. Ou ainda produzir certos tipos de aminoácidos que absorveriam raios ultravioleta, ou seja, atuariam como protetores solares para as preguiças. As algas do gênero Trichophilus se perpetuam entre as preguiças passando provavelmente das mães para os filhotes, quando estes alcançam algumas semanas de vida, sugere o estudo. Entre os 19 animais que não abrigavam essas algas, sete eram bebês. Talvez no momento em que as amostras de pelo foram recolhidas para o estudo esses tenros filhotes ainda não tinham tido tempo de contato suficiente com as mães para adquirir o amigo verde.
As preguiças se dividem em dois gêneros: o Bradypus, em que estão as chamadas preguiças de três dedos, com quatro espécies (B. tridactylus, B. torquatus, B. variegatus e B. pygmaeus); e o Choloepus, as preguiças de dois dedos, com duas espécies (C. didactylus e C. hoffmanni). A presença das algas verdes também parece seguir esse padrão, visto que as espécies de Trichophilus identificadas num gênero são aparentemente distintas das achadas no outro. Com exceção da B. pygmaeus, existente apenas numa ilha do Panamá, as outras cinco espécies são encontradas no Brasil. Uma delas, a B. torquatus, popularmente conhecida como preguiça-de-coleira e que está ameaçada de extinção, só existe na Mata Atlântica brasileira. Por ser um bicho exclusivo das florestas nacionais, a preguiça-de-coleira foi a única representante brasileira no estudo sobre algas que vivem na pelagem desse mamífero. Embora tenham sido identificados vários tipos de algas terrestres no pelo da B. torquatus, exemplares do gênero Trichophilus não foram achados. Também na C. didactylus algas desse gênero não foram encontradas. Mas, como havia amostras de pelos de somente dois exemplares dessa espécie, não foi possível fazer uma análise mais definitiva nesse caso. Segundo, Chiarello existe a possibilidade de na continuidade do rabalho esfetuar o estudo da presença de algas em preguiças-comuns (B. variegatus) que têm uma ampla distribuição no Brasil, incluindo a Mata Atlântica e boa parte da Amazônia brasileira.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Corredores nas lavouras - Orientação das fileiras de cultivo pode ajudar locomoção de pequenos mamíferos

© fabio colombini
As plantas ordenadas em fileiras, formando um campo listrado, destoam em tudo das ilhas de floresta que despontam aqui e ali na paisagem, em geral acompanhando os morros. É nessa paisagem, nos municípios fluminenses de Guapimirim e Cachoeiras de Macacu, que os biólogos Jayme Prevedello e Marcus Vinícius Vieira, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avaliaram a movimentação de pequenos mamíferos em meio a plantações de mandioca. Eles descobriram que as fileiras de cultivo funcionam como corredores que facilitam a movimentação dos animais, conforme mostram em artigo na revista Biological Conservation.

Para avaliar a capacidade das plantações como conectores dos pequenos remanescentes de floresta que ainda restam na região, os pesquisadores capturaram marsupiais típicos da mata atlântica – o gambá-de-orelha-preta Didelphis aurita e a cuíca-cinza Philander frenatus – e os soltaram em pontos desconhecidos pelos animais: a pelo menos um quilômetro de distância, em pleno mandiocal, em distâncias variadas de outro fragmento de floresta. Cada um deles levava, preso às costas, um novelo de fio de náilon que se desenrolava à medida que o animal avançava, deixando a rota registrada. Uma técnica simples e eficaz muito usada por biólogos, semelhante à que permitiu a Ariadne sair do labirinto na lenda grega do Minotauro.

Vieira e Prevedello testaram, ao todo, 24 gambás e 37 cuícas, e nas duas  espécies a maior parte dos animais tentou encontrar o caminho de casa andando ao longo dos corredores formados por fileiras de mandioca, em vez de cruzá-los em rotas perpendiculares à orientação da lavoura. “Eles só saíam das linhas de plantio quando estavam muito próximos de um fragmento de floresta, no máximo 50 metros. Mesmo assim, alguns ainda escolhiam os caminhos feitos pelos agricultores”, conta Vieira, coordenador do estudo.
Isolados - Na área de estudo, esses marsupiais raramente saem da mata, segundo mostra o grupo da UFRJ. Mais recentemente, os pesquisadores cariocas acompanharam alguns desses animais dentro dos fragmentos de floresta e viram que eles saem muito pouco. “A maioria só se aventura fora da cobertura do dossel quando descobrem uma árvore frutífera carregada, no pasto ou na plantação, bem perto do fragmento”, diz Vieira, “nesse caso eles vão até a árvore e voltam imediatamente para a mata, a não ser que haja outro fragmento próximo: vimos que 8-10% dos indivíduos avançam até o outro fragmento”. A partir dessas observações, ele e Prevedello defendem que as plantações impensadas acabam causando uma fratura entre as ilhas de floresta ainda mais drástica do que o inevitável.

Conversando com agricultores, os ecólogos averiguaram que na maior parte das vezes não há uma justificativa forte para a orientação das fileiras de mandioca, a não ser em terreno inclinado. Muitas vezes elas são dispostas com base em algum riacho que corta o terreno, alguma outra interrupção como uma cerca ou mesmo de forma quase aleatória. “Sentimos que, na maior parte dos casos, não haveria resistência a planejar o plantio de forma a melhorar a conexão entre os fragmentos de floresta”, afirma Vieira.

Segundo o professor da UFRJ, ninguém até agora tinha olhado as plantações com esse enfoque. “Há na literatura internacional alguns relatos ocasionais de animais seguindo as linhas de plantio, mas sem que a movimentação fosse testada como fizemos.” Mesmo que os pequenos mamíferos relutem em sair da proteção do dossel de sua floresta, Vieira não acha impossível que as fileiras possam servir como trilhas que facilitam a migração entre um fragmento e outro de mata. “Em nosso estudo não tínhamos situações em que a linha de plantio chegasse até a mata”, conta, imaginando uma situação em que o corredor desimpedido se apresente aos animais logo na borda de seu hábitat natural.

Vieira tem continuado os estudos para entender a relação dos habitantes da mata atlântica com as plantações que isolam os trechos de floresta e avaliar que impacto podem ter ideias simples. “Mudar a orientação das fileiras é uma solução sem custo que pode ter efeito”, avalia. Como não tem custo, ele considera que vale a pena mesmo que o efeito seja modesto. Terminado o projeto de Jayme Prevedello, Vieira tem agora outros estudantes dedicados a estudos na mesma região. O gambá e a cuíca são os mais comuns entre os pequenos mamíferos dessa área de estudo, mas os corredores formados pela mandioca também podem facilitar o trânsito de outros animais, como roedores e lagartos.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Antes da guerra com os mosquitos- Contexto da viagem determina se é preciso tomar remédio contra malária

Quem vai à Amazônia teme voltar com malária. Como não há vacina, uma das formas de se prevenir é tomar medicamentos que evitam os danos dos protozoários causadores da doença no organismo. Os efeitos colaterais dos medicamentos preventivos, porém, podem ser intensos – um deles é ampliar a sensibilidade à luz e facilitar a ocorrência de queimaduras de pele por causa da exposição ao sol. Usar ou não medicamentos preventivos, de modo que os benefícios superem os inconvenientes, depende de variáveis como o lugar para onde o viajante vai, o tempo de permanência, a estação do ano em que viajará e a proximidade dos postos de atendimento médico, de acordo com trabalhos recentes de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) que delimitou os riscos de se contrair malária no Brasil, na África e em três países asiáticos, Tailândia, Indonésia e Índia. No mundo todo, a cada ano, a malária é diagnosticada pela primeira vez em 200 milhões de pessoas, das quais 100 milhões vivem na África e, desses 100 milhões, 1 milhão são crianças. No Brasil, cerca de 300 mil pessoas têm malária por ano, bem menos que os 6 milhões de casos registrados por ano no início da década de 1940.

O risco de ser picado pelos mosquitos do gênero Anopheles, transmissores da malária, é mínimo no inverno amazônico, que corresponde à época das chuvas, de dezembro a fevereiro. Cresce no outono e atinge o máximo no verão amazônico, que corresponde à época da seca, que tem seu pico entre julho e agosto. “O verão é a pior época para chegar, porque os mosquitos transmissores estão na atividade máxima”, diz Eduardo Massad, um dos coordenadores do grupo de pesquisa que delimitou os riscos de contágio considerando não só o clima, mas também a velocidade com que o Anopheles pode se reproduzir, infectar-se ou infectar as pessoas. Em um trabalho publicado na Malaria Journal em 2009, Massad, Marcelo Buratini e Francisco Antonio Bezerra Coutinho, da USP, Ronald Behrens, da London School of Hygiene and Tropical Diseases, afirmam que o risco de um viajante que circule pela Amazônia no verão contrair malária é pelo menos 10 vezes maior do que se viajasse no inverno.

O destino e o tempo de permanência também pesam. “Quem vai a um resort no rio Negro, uma região de águas escuras onde quase não tem malária, para passar três dias, não precisa tomar medicamentos profiláticos”, diz o médico Jessé Reis Alves, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. “Dependendo do objetivo e das circunstancias da viagem, o risco pode variar até em um mesmo lugar”, observa o médico infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP. “Quem vai de mochila para acampar ao ar livre tem muito mais risco de pegar malária do que quem fica em um hotel cinco estrelas.”

As medidas de prevenção começam pela tomada de consciência do risco de contrair a doença na região para onde se está indo. “Muitas pessoas viajam para áreas de alto risco de malária sem saber”, diz Alves. É importante também conhecer os sintomas iniciais – febre, dores pelo corpo, vômitos, diarreias, perda de apetite, tontura e cansaço. O tratamento é simples e eficaz, desde que o diagnóstico correto seja feito logo após o surgimento dos primeiros sintomas, evitando os danos no fígado, nos pulmões e no cérebro que acompanham os quadros mais graves.

É bom conhecer os hábitos básicos do Anopheles darlingi, o mosquito transmissor da malária no Brasil, que sai dos esconderijos ao anoitecer e ao amanhecer para se alimentar. Mas nem sempre é assim. Na África, o Anopheles gambiae, outro transmissor, ataca também durante o dia. Mais diferenças: no Brasil, nem todos A. darlingi estão infectados com o agente causador da doença, que aqui é geralmente o Plasmodium vivax, responsável por uma forma menos grave da doença. No Brasil a malária é essencialmente rural e raramente aparece em cidades. Por fim, há uma rede de atendimento médico, com cerca de 3 mil postos de diagnóstico e tratamento na Amazônia. Na África, o A. gambiae apresenta um alto grau de infestação – portanto, maior risco de transmissão – em geral com o Plasmodium falciparum, que causa uma forma mais grave e por vezes fatal de malária. Lá a doença ocorre em ambientes rurais e urbanos e os postos de atendimento médico são raros.
Outra medida preventiva é aplicar repelentes sobre a pele e usar camisas e calças compridas, principalmente nos horários ou nos lugares em que os mosquitos são mais frequentes, já que o risco de contrair malária aumenta de acordo com o número de picadas de mosquitos com Plasmodium. Os médicos recomendam que os viajan-tes, quando estiverem em lugares onde a malária é comum, coloquem mosquiteiros ou telas sobre as redes ou camas antes de dormir, de preferência em lugares cobertos. “O risco de pegar malária cai até 80% quando se faz corretamente a proteção contra as picadas do mosquito”, diz Alves. Como alternativa, quem não quiser começar a tomar medicamentos antes da viagem pode levar os antimaláricos quando for a uma região de alto risco e usá-los caso tenha febre, mesmo sem fazer exame de sangue que confirme a doença.

Os médicos dizem que a medicação deve complementar essas medidas preventivas e não ser adotada isoladamente, por causa dos efeitos colaterais indesejados. Além de ampliar a sensibilidade à luz solar, a cloroquina, o antimalárico mais usado atualmente no Brasil, pode causar enjoos. A mefloquina, apesar de eficiente, deixou de ser usada oficialmente por eventualmente ampliar o risco de distúrbios psiquiátricos e a tendência ao suicídio. Boulos conta de um executivo alemão que trabalhava em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e tomou cloroquina durante três anos para se prevenir, mesmo sem necessidade; não pegou malária, mas ficou cego, por causa do uso exagerado do remédio. Outro inconveniente é que, para funcionar adequadamente, o tratamento com esses medicamentos precisa começar uma a duas semanas antes da chegada à área de risco, prosseguir enquanto o viajante estiver lá e só terminar quatro semanas após a volta. Uma viagem de duas semanas, portanto, implica tomar remédio durante nove semanas.
Além disso, os antimaláricos funcionam melhor contra o Plasmodium falciparum, menos frequente no Brasil que o P. vivax. Por fim, há ainda o risco de o Plasmodium – principalmente o falciparum – se tornar resistente aos medicamentos. Nesse caso, um viajante prevenido, que tomou antimalárico, pode sentir febre e cansaço extremo, sinais típicos da malária, mas pensar que esses sintomas não são dessa doença, quando na verdade o remédio que tomou é que não está funcionando para combater Plasmodium resistentes à medicação.

Em novembro de 2010, dois viajantes – um vindo da Nigéria e outro da Costa do Marfim – morreram de malária em São Paulo depois de passarem por hospitais cujos médicos não souberam identificar a doença. “Ao voltar, caso tenha febre alta, o viajante deve falar para o médico que viajou e insistir para fazer o teste contra malária”, enfatiza Alves. Às vezes, não ocorre aos médicos que a febre e o mal-estar podem ser sintomas de malária, porque, se vivem nas capitais do Sudeste ou Sul do país, provavelmente nunca a diagnosticaram.
“A responsabilidade da prevenção cabe ao serviço de saúde, aos próprios viajantes e às empresas, quando enviam os funcionários para áreas de alto risco”, diz Alves. Segundo ele, quem vai trabalhar em um país da África como Angola, onde a malária é endêmica, deveria adotar todas as medidas de precaução possíveis.

“Um período de permanência de 15 dias na África já justifica o uso de medidas preventivas, incluindo medicação”, diz Massad. Graduado em física e em medicina, ele esteve à frente do estudo que comparou o risco de contrair malária na África, no Brasil e em três países asiáticos, Tailândia, Indonésia e Índia. A África emergiu como região de alto risco, o Brasil – e mesmo a Amazônia – como risco médio, em princípio dispensando o uso de medicação no caso de estadas breve, já que estatisticamente surgem dois casos de malária em cada mil viagens para o norte do Brasil, e os três outros países como risco baixo.

Em um trabalho aceito para publicação no Malaria Journal, Massad, Behrens e Coutinho fazem uma análise de custos e de benefícios para adotar medidas de prevenção contra malária em larga escala para quem viaja para países ou regiões em que a doença é comum. A conclusão pode soar desconfortável, mas Massad lembra que a análise de custos é fria. “Do ponto de vista de saúde pública”, diz ele, “é mais barato tratar quem pegar malária do que evitar que todo viajante pegue a doença”.

A abordagem brasileira é evitar o uso de medicação, a não ser que algo realmente a justifique. “Faço trabalho de campo na Amazônia desde 1974, nunca tomei medicamentos profiláticos e nunca peguei malária”, afirma Boulos. “O mais importante é ter consciência do risco.” Nem sempre, porém, Alves e os outros médicos do ambulatório dos viajantes do Emílio Ribas conseguem explicar rapidamente a um turista estrangeiro que não precisa se preocupar com malária apenas porque está indo ao Rio de Janeiro.
Um debate em Miami - Enganos desse tipo são comuns. Um mapa do livro CDC health information for international travel, recém-publicado pela Universidade de Oxford, indica que toda a América do Sul é de alto risco de malária, quando na verdade a doença está restrita a algumas áreas da Amazônia. “Normalmente os europeus entendem rapidamente que o risco é diferente, mesmo na Amazônia, mas os norte-americanos não abdicam da medicação preventiva”, diz Alves.

Em um congresso sobre infectologia realizado em março de 2010 em Miami, nos Estados Unidos, Boulos participou de uma mesa-redonda sobre prevenção de malária por meio de medicamentos e argumentou que o repelente e outras medidas é que deveriam ser priorizados. Ao seu lado estava Paul Arguin, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), defendendo a posição oficial dos médicos dos Estados Unidos, que temem que os viajantes voltem com malária e morram ou espalhem a doença porque não conseguiram fazer o diagnóstico correto. “Não há por que usar medicamentos contra malária onde não há malária”, Boulos argumentou. “O risco de pegar malária em São Paulo é o mesmo que em Nova York.” O debate terminou sem que as visões mudassem.

Vírus e bactérias podem se propagar rapidamente, principalmente entre pessoas que nunca tiveram contato com os microrganismos. Há poucos meses, duas pessoas em São Paulo e outra no Rio de Janeiro foram diagnosticadas com o vírus chikungunya, comum em vários países da África e da Ásia – o mosquito transmissor é o Aedes, o mesmo da dengue. “Novas doenças podem aparecer e se espalhar rapidamente, porque as pessoas nunca tiveram contato com os agentes que as causam e não desenvolveram defesas contra eles”, diz Boulos. Por essa razão é que ele prevê “uma grande epidemia” de dengue tipo 4 no próximo verão, principalmente nas cidades onde os outros tipos do vírus da dengue já contaminaram as pessoas.

“Do ponto de vista teórico, matar os mosquitos transmissores, principalmente durante os surtos, é a medida mais eficiente de deter a dengue”, diz Massad. “As campanhas públicas enfatizam a destruição de criadores de mosquitos em águas paradas, mas desse modo o poder público se exime de responsabilidade de matar mosquito.” Para ele, a política de controle da dengue deveria combinar todas as estratégias.