terça-feira, 30 de agosto de 2011

Cientistas descobrem causa da mais mortal das epidemias

Entre os anos de 1347 e 1351, um terço dos moradores da Europa morreu devido à chamada peste negra. Estima-se que entre 30 milhões e 50 milhões de europeus sucumbiram à doença. Mas os cientistas nunca tinham entendido qual foi o causador exato da doença. Agora, pesquisadores das universidades McMaster (Canadá) e de Tubingen (Alemanha) afirmam ter confirmado através de um novo método de análise de DNA a hipótese de que o causador foi a bactéria Yersinia pestis (causadora da peste bubônica moderna), mais exatamente uma variedade extinta.
Segundo as duas universidades, os cientistas que não acreditavam na Yersinia pestis como causadora da peste negra afirmavam que os testes de DNA usados estavam contaminados. Além disso, a versão moderna da bactéria, que ainda é extremamente mortal, espalha-se de maneira muito mais lenta do que ocorreu durante a epidemia medieval.
Hendrik Poinar, pesquisador da instituição canadense, afirma em nota que o patógeno da peste negra deve ser uma variante que agora está extinta, conforme indicam dados preliminares. Ele diz que a bactéria atuava em genes que facilitavam a transmissão - que era causada por pulgas, o que estimulava a proliferação dos micro-organismos no sistema respiratório.
Os cientistas estudaram 109 corpos encontrados em um sítio arqueológico próximo a Londres e outros 10 no sítio de St. Nicholas Shambles (este anterior à epidemia), também no Reino Unido, utilizando um novo método de análise de DNA. No primeiro local, os pesquisadores conseguiram distinguir os genes presentes da Yersinia pestis.
"O próximo passo é sequenciar o DNA inteiro e eu estou confiante de que esta nova técnica vai nos levar a respostas que mudarão nosso entendimento da história da praga e nosso conceito de doenças emergentes e reemergentes", diz Poinar.
Os cientistas acreditam que a peste negra já foi responsável por duas outras grandes epidemias - em 541 d.C. (a "praga de Justiniano") e no século XX, também na Europa. A variedade moderna da bactéria é extremamente mortal - cerca de 2 mil pessoas morrem por ano por causa da peste bubônica, afirmam as duas universidades.
O artigo que descreve o estudo está disponível gratuitamente para download (em inglês) pela revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) no endereço www.pnas.org/content/early/2011/08/24/1105107108

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Bactérias contra a dengueNova cepa de Wolbachia impede que o mosquito Aedes aegypti transmita a doença para seres humanos

© Eliminate Dengue Program
Pesquisadores inseriram bactéria em mosquito transmissor da dengue, na Austrália
Uma equipe internacional de pesquisadores parece ter encontrado uma via de combate à dengue que pode ser combinada às atuais formas de controle da doença, como o uso de inseticidas e campanhas de prevenção. O grupo descobriu que uma nova cepa da bactéria Wolbachia, uma vez inserida em mosquitos Aedes aegypti, impede que eles transmitam a doença para as pessoas, sem prejudicar os próprios insetos. O estudo, publicado na Nature no dia 24 de agosto, contou com a participação do engenheiro agrônomo Luciano Andrade Moreira, do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, em Minas Gerais. Ele tenta agora obter apoio do Ministério da Saúde para realizar estudos com variedades do vírus da dengue comuns no Brasil e mais adiante verificar o que ocorreria se os insetos inoculados com as bactérias fossem soltos no ambiente.
Os pesquisadores já sabiam que a mesma bactéria, em geral encontrada nas pequenas moscas-das-frutas Drosophila, evitava infecções por vírus nesses insetos. A partir dessa observação decidiram inserir a bactéria nos mosquitos que transmitem o vírus da dengue para ver o que acontecia. Os testes mostraram que o Aedes aegypti com a bactéria se contaminava com o vírus, mas não o passava para as pessoas. Segundo Moreira, ainda não se sabe por que a Wolbachia bloqueia a capacidade de os mosquitos transmitirem o vírus da dengue. “Pode ser que haja uma competição em nível celular entre o vírus e a bactéria, presente desde o intestino até as glândulas salivares do Aedes aegypti”, afirma. “Além disso, o inseto com a bactéria tem a imunidade melhorada”, completa.
O estudo também mostrou que a bactéria é transmitida de geração em geração dos Aedes e que os mosquitos com Wolbachia têm vantagem reprodutiva sobre os demais. Isso porque a fêmea com a bactéria é capaz de produzir ovos depois de cruzar com machos infectados ou não pela Wolbachia. Já as fêmeas sem bactéria só conseguem se reproduzir quando cruzam com machos também não infectados. A tendência esperada pelos pesquisadores é que com o tempo a população de mosquitos com bactéria se torne predominante, reduzindo o risco de transmissão de dengue.
Moreira explica que a bactéria inserida no mosquito não deve causar problemas ao ambiente nem às pessoas. Depois de quase dois anos testando diversas possibilidades na Austrália, onde exemplares foram soltos em campo, os pesquisadores não encontraram indícios de que a bactéria seja transmitida para animais que se alimentam dos mosquitos, como lagartixas ou aranhas, nem que saia com a saliva do mosquito ao picar as pessoas.
A equipe formada também por pesquisadores americanos e australianos, liderados por Scott O'Neill, da Monash University, na Austrália, investiga desde 2005 essa estratégia. Para os primeiros cinco anos de trabalho, o grupo recebeu US$ 12 milhões, parte doada pela Fundação Bill & Melinda Gates. Em estudo publicado em 2009 na Cell, o grupo já havia mostrado que outra cepa da bactéria causava no Aedes aegypti os mesmos efeitos verificados no trabalho atual, mas dificultava a reprodução do inseto. Nem todos os ovos permaneciam intactos no ambiente como ocorre naturalmente e as larvas morriam antes de se desenvolverem. Isso impedia que a bactéria fosse transmitida para descendentes. “Diferentemente do que verificamos hoje, esses mosquitos infectados em laboratórios por essa outra cepa poderiam ter mais dificuldades de se estabelecerem na natureza. O que não seria interessante”, diz o agrônomo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ambiguidade sexual

Um prêmio concedido nos Estados Unidos pela primeira vez a um pesquisador brasileiro, a endocrinologista Ana Claudia Latronico, de 39 anos, chamou a atenção para a produtividade científica de uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) que lida com um material riquíssimo. Todos os meses, o grupo da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento do Hospital das Clínicas da USP atende 400 pessoas vindas de todo o país com distúrbios hormonais que impedem o crescimento normal de crianças, interferem na puberdade de adolescentes ou geram anomalias no desenvolvimento dos órgãos sexuais, como o hermafroditismo, em que o indivíduo nasce com ovários e testículos, além de genitais externos mal definidos.

Tamanha diversidade de pacientes - e a oportunidade de tratá-los e acompanhá-los - transformou a unidade em um centro de pesquisa de referência internacional. É ali que, sob a orientação de Berenice Bilharinho de Mendonça, Ana Claudia participa há 12 anos de uma série de estudos pioneiros que descrevem novas mutações genéticas causadoras de doenças hormonais. O conjunto desses trabalhos é que rendeu a Ana Claudia o Prêmio Richard E. Weitzman, concedido em junho pela Sociedade Americana de Endocrinologia a pesquisadores com menos de 40 anos de idade.

A equipe de 25 pesquisadores liderada por Berenice - mulheres, na maioria, como é comum na área de endocrinologia - enfrenta diariamente o desafio de mostrar a quem aparece por lá em busca de atendimento que em geral é possível tratar esses problemas genéticos marcados por um forte preconceito. É o caso da identificação do sexo de indivíduos que nascem com genitais ambíguos - com estruturas masculinas e femininas completas ou não. Esse problema compreende três grupos de doenças diferentes.

Um é o hermafroditismo verdadeiro, em que o indivíduo apresenta ovários e testículos e os órgãos genitais externos com estruturas masculinas e femininas, a chamada ambigüidade genital. Geneticamente, a maioria dos hermafroditas verdadeiros tem em cada célula dois cromossomos X - os homens normais têm um cromossomo X e um Y e as mulheres, dois X. Portanto, eles deveriam ser mulheres. Mas como explicar o desenvolvimento dos testículos? Provavelmente,isso se deve a alterações em genes ainda desconhecidos que atuam como o gene SRY do cromossomo Y, responsável pela formação dos testículos.

O segundo grupo é o pseudo-hermafroditismo masculino: do ponto de vista genético, o indivíduo é um homem (XY), mas o pênis não se desenvolve completamente e a abertura da uretra fica em posição anormal. "Os pseudo-hermafroditas deveriam ter sido homens normais, mas não foram completamente virilizados, por causa de defeitos ocorridos ao longo do desenvolvimento sexual embrionário", diz Berenice. Até os dois meses de gestação, lembra ela, os homens e as mulheres têm a genitália idêntica - o que os diferencia, a partir desse momento, é a ação do hormônio sexual masculino, a testosterona.

As mulheres pseudo-hermafroditas constituem a terceira categoria: apresentam dois cromossomos X e possuem o aparelho reprodutor feminino completo, como toda mulher qualquer, mas durante a vida intrauterina sofreram um processo de virilização dos genitais: o clitóris cresce excessivamente e se apresenta como uma estrutura semelhante ao pênis. Desde 1976, chegam a 500 os casos de ambigüidade genital diagnosticados nessa unidade do Hospital da Clínicas da USP. A causa mais freqüente - responsável por um em cada três casos - é uma doença de nome complicado, a hiperplasia adrenal congênita virilizante. Mutações no gene CYP21A2 resultam na deficiência de uma enzima, a 21 hidroxilase.

A escassez dessa enzima impede a síntese do hormônio cortisol, produzido nas glândulas supra-renais. Numa reação em cadeia, a falta desse hormônio aciona uma glândula da base do cérebro, a hipófise, que intensifica a produção de outro hormônio, o hipofisário corticotrófico, estimulante da atividade das supra-renais. Em resposta a esse estímulo, as supra-renais aumentam de tamanho e produzem mais hormônio masculino, a testosterona. Nos fetos do sexo feminino, o excesso desse hormônio provoca virilização: as mulheres nascem com um clitóris hipertrofiado, que lembra um pênis, e uma bolsa escrotal sem testículos, que recobre completamente a vagina.

Mas o aparelho reprodutor interno e os cromossomos são de uma mulher, caracterizando um caso clássico de pseudo-hermafroditismo feminino. "Às vezes, mesmo em berçários de maternidades grandes, esse tipo de bebê é registrado como menino", diz Berenice. Sem o auxílio de exames hormonais e da determinação dos cromossomos sexuais, médicos se confundem e imaginam que se trata de um bebê do sexo masculino cujos testículos só irão descer para a bolsa escrotal mais tarde. Nos fetos do sexo masculino, a mutação desse gene faz com que haja apenas o crescimento anormal das supra-renais, sem alterações nos genitais externos.

Duas pesquisadoras dessa equipe, Tânia Bachega e Ana Elisa Billerbeck, descobriram, nos últimos quatro anos, cinco novas mutações do CYP21A2, como parte dos resultados de dois projetos temáticos apoiados pela FAPESP. Desse modo, a análise de mutações genéticas ligadas a doenças sexuais integrou-se ao diagnóstico pré-natal, permitindo assim às mulheres que já tiveram uma filha pseudo-hermafrodita evitar que o problema se repita. No terceiro mês de gestação, a futura mãe submete-se a um exame de um fragmento da placenta que revelará se o embrião é do sexo feminino e se apresenta alguma alteração no gene CYP21A2.

Se o teste indicar mutações, a equipe de Berenice sabe como evitar as conseqüências: a mãe deverá tomar um medicamento, o corticóide sintético dexametasona, que evita que os órgãos sexuais da menina se apresentem como os de um menino. Chegando ao feto por meio da corrente sangüínea, a dexametasona ingerida pela mãe inibe a produção excessivado hormônio adenocorticotrófico (ACTH), que impede a produção exagerada do hormônio sexual masculino. Nesse caso, a equipe brasileira desenvolveu os estudos moleculares e atestou no Brasil a eficácia desse tratamento, criado em meados dos anos 70 na França.

Puberdade precoce

A identidade sexual se cristaliza por volta dos 2 anos de idade e, depois disso, é muito complicado mudá-la. Por essa razão, lembra Berenice, identificar precocemente a disfunção é essencial para evitar traumas nos pais e na criança. Mas, lamentavelmente, o diagnóstico tardio ainda ocorre com freqüência no Brasil. Metade dos casos de ambigüidade genital que chegam a esse ambulatório do HC é de pessoas adultas. Nesses casos, definir o sexo torna-se uma questão que não se resume à genética. Pode estar escrito no núcleo de cada célula se um indivíduo é uma mulher, se apresenta dois cromossomos X, mas o que fazer se foi criado como homem e desenvolveu uma identidade masculina? A equipe de Berenice enfrentou um caso desse tipo em junho, quando apareceu um hermafrodita verdadeiro, de 20 anos, com genitais masculinos e femininos.

Havia sido registrado como mulher, mas criado como homem. Ele (o nome não pode ser divulgado, em respeito à privacidade) chegou ao HC depois de cumprir um calvário de constrangimentos públicos. Nascido no interior de Pernambuco, veio a São Paulo em busca de tratamento e foi parar num desses programas de televisão vespertinos que tratam anomalias como atração de circo. O programa lhe ofereceu tratamento médico, mas ele deveria dizer para a namorada, ao vivo, que era hermafrodita - ela não sabia.

Aproveitando a exposição no programa, um médico disse que se disporia a tratá-lo, de graça. A violência moral só terminou quando o rapaz fez os exames para iniciar o tratamento e outro médico - um herói anônimo - encaminhou-o para o Hospital das Clínicas. A análise cromossômica, embora apresentasse genitais ambíguos, identificou dois cromossomos X. Portanto, geneticamente era do sexo feminino. Por opção própria, como apresentava identidade masculina, submeteu-se à retirada do útero, ovários e vagina e à chamada masculinização (a uretra foi transposta para a glande) dos genitais externos.

Com freqüência, as pesquisas desse grupo da USP desvendam a origem de doenças raras ou que se confundem com outras, desse modo incentivando a busca de novos tratamentos. Por exemplo, um estudo conduzido pela médica Sorahia Domenice, publicado em setembro de 2001 noJournal of Clinical Endocrinology and Metabolism , mostrou que uma mutação já conhecida do gene DAX1 produzia manifestações mais amplas do que se acreditava. Os principais sintomas da doença eram o funcionamento precário da supra-renal e o atraso da puberdade.

A equipe do HC descreveu há dois anos outra mutação no gene DAX1, encontrada em um menino, que, em vez do atraso, provocou puberdade precoce, com o surgimento de caracteres sexuais antes dos 3 anos de idade. Em um estudo de grande repercussão publicado em 1996 noNew England Journal of Medicine , os pesquisadores do HC descreveram um defeito genético no receptor do hormônio luteinizante (ou LH, na sigla em inglês), produzido pela hipófise, que estimula a fabricação de testosterona pelos testículos. Com a mutação no receptor do LH, o organismo não produz testosterona em quantidades adequadas e os fetos, embora apresentassem cromossomos masculinos, nasciam com genitália feminina ou ambígua.

Um ano depois de pesquisadores do Hospital Universitário de Nijmegen, da Holanda, terem publicado a primeira descrição de uma mutação no receptor de LH causando pseudo-hermafroditismo masculino, o estudo brasileiro mostrou que o espectro dessa anomalia era maior, ao descrever um menino com micropênis e um efeito até então desconhecido: as irmãs dos portadores de pseudo-hermafroditismo masculino, devido à mutação do receptor do LH, são inférteis, com menstruação irregular ou ausente.

A médica Regina Martin comprovou este ano a origem genética de outra moléstia rara, o excesso de aromatase, uma enzima que transforma testosterona em estrógeno, o hormônio feminino. Essa disfunção genética resulta do excesso de produção de estrógeno e faz os meninos apresentarem micropênis e desenvolverem seios, enquanto as meninas sofrem aumento do útero e crescimento exagerado dos seios. Em todos os casos, a síndrome provoca baixa estatura. O estudo que descreve a quinta família encontrada no mundo com essa doença - e a primeira no Brasil - saiu em junho noJournal of Clinical Endocrinology and Metabolism .

Baixa estatura

Um mês antes, Maria Cândida Fragoso publicou nessa mesma revista uma pesquisa sobre a identificação de duas mutações genéticas que podem causar a síndrome de Cushing ACTH-independente, doença caracterizada pelo aparecimento nas supra-renais de nódulos que produzem em demasia o hormônio cortisol, regulador do metabolismo do açúcar e da pressão arterial. O excesso desse hormônio na circulação provoca uma série de efeitos colaterais, como obesidade localizada no centro do corpo, a face em forma de lua cheia, atrofia da pele e hipertensão arterial
Segundo Berenice, a descoberta das mutações genéticas não altera os rumos do tratamento - que consiste na retirada das supra-renais seguida de reposição hormonal -, mas ajuda a entender essa doença, que pode ser causada por vários mecanismos diferentes. Até então, só se conhecia uma causa da moléstia: alguns pessoas produziam cortisol em excesso, devido, por exemplo, ao peptídeo chamado GIP, secretado pelo pâncreas em resposta à chegada de alimentos ao aparelho digestivo.

Outra especialidade do grupo do HC é o estudo de doenças endocrinológicas que levam à baixa estatura, que afeta 3% da população. Nessa área, um trabalho de grande repercussão, devido à sua aplicabilidade, foi feito no ano passado pelo douto-rando Alexander Jorge, que mostrou a fragilidade do teste mais usado no diagnóstico de casos em que as aplicações do hormônio de crescimento parecem não funcionar para corrigir a baixa estatura. Jorge verificou que não havia reprodutibilidade: dois testes com amostras idênticas não apresentam os mesmos resultados.

Este ano, em outra pesquisa, Eveline Gadelha, ex-aluna de Berenice e hoje professora na Universidade Federal do Ceará, avaliou a precisão dos exames que embasavam o diagnóstico de deficiência de hormônio de crescimento e concluiu: o diagnóstico laboratorial, muitas vezes, pode estar equivocado. As pesquisadoras, que publicaram os resultados deste estudo em maio naHormone Research , avaliaram 30 crianças normais e 26 com deficiência de hormônio de crescimento para definir o ponto de corte para os métodos mais modernos: a deficiência hormonal só pode ser realmente atestada quando a concentração de hormônio está abaixo de 3,3 nanogramas por mililitro de soro sangüíneo.

Segundo Berenice, os médicos ainda utilizam o corte de 7 nanogramas, válido para métodos de dosagem mais antigos, com sensibilidade menor. "Há crianças com diagnóstico de baixa estatura que tomam hormônio sem nenhum problema endocrinológico", alerta a pesquisadora. "São mais baixas que a média devido à herança genética dos pais." Para meninos ou meninas de 4 ou 5 anos, por exemplo, deficiência de hormônio de crescimento significa ter 7 a 8 centímetros abaixo da média da altura esperada. Luciani Carvalho, aluna de doutorado de Ivo Arnhold, do mesmo laboratório, descobriu recentemente uma nova mutação no HESX1, gene que interfere no desenvolvimento da glândula hipófise.

O defeito já era associado a uma manifestação gravíssima, a displasia septo-ótica: as vítimas nascem cegas e com alterações no sistema nervoso central. A contribuição desse estudo, a ser publicado noJournal Clinical Investigation , foi a descoberta de uma manifestação mais branda da mesma doença, quando o erro ocorre numa região diferente do gene. O caso que deu base à pesquisa pioneira é um exemplo típico da rotina do HC.

Em 1985, a equipe de Berenice atendeu uma garotinha de 5 anos vinda de Recife com deficiência de crescimento - tinha 87 centímetros, 20 a menos do que deveria. Era uma deficiência grave na produção de hormônios, que pôde ser tratada com reposição. Para crescer, a menina tomou hormônio de crescimento e hoje, aos 23 anos, alcançou 1,65 metro de altura. Desenvolveu o útero e seios e menstrua regularmente. Os pesquisadores descobriram agora na amostra de DNA dessa menina a origem exata da doença: uma mutação no gene HESX1.

Sua versão alterada só se expressa quando é herdada tanto do pai quanto da mãe, o que raramente ocorre, mas se deu nesse caso porque a menina era fruto de um casamento consangüíneo - os pais são primos. Antes dessa descoberta, seu caso se perdia em meio a centenas de outros. Na última década, a equipe de Berenice acumulou cerca de 300 amostras de DNA de brasileiros com baixa estatura de origem desconhecida e sabe que tem em mãos um tesouro genético que esconde histórias como a da garotinha do Recife.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cientistas descobrem gene relacionado ao surgimento do câncer

Transcrito na íntegra do site globo.com

Cientistas encontraram um gene cuja ausência provoca a aneuploidia – uma anomalia ligada ao surgimento o câncer. Essa anomalia consiste na mudança do número normal de cromossomos no núcleo de algumas células. A não ser nos casos em que o indivíduo tem alguma síndrome específica, as células humanas têm 46 cromossomos cada – exceto espermatozoides e óvulos, que têm 23.
A pesquisa publicada pela revista Science detectou que 20% das amostras de câncer no cérebro (glioblastoma multiforme), na pele (melanoma maligno) e nos ossos (sarcoma de Ewing) não produziam a proteína STAG2, por consequência de alguma mutação num gene com o mesmo nome.
Núcleo de célula cancerosa, sem o STAG2 (Foto: Science / AAAS)Núcleo de célula cancerosa, sem o STAG2 (Foto: Science / AAAS)
Durante a divisão celular, esse gene é responsável pela separação de cromossomos repetidos. Dessa forma, a ausência do gene aumenta as chances de que as células resultantes da divisão tenham um número irregular de cromossomos. Essas células têm potencial para desenvolver o câncer.
“Há tempos, os cientistas têm buscado a base genética para a aneuploidia nas células cancerosas, e nosso estudo traz uma percepção substancialmente nova para esse processo”, afirmou Todd Waldman, um dos cientistas envolvidos na pesquisa.
“Nos cânceres que estudamos, mutações no STAG2 parecem ser o primeiro passo para a transformação de uma célula normal numa célula cancerosa”, prosseguiu. “Agora, estamos vendo se o STAG2 pode sofrer mutações na mama, no colo, no pulmão e em outros cânceres comuns nos seres humanos”.

sábado, 13 de agosto de 2011

O AMIGO OCULTO DA PREGUIÇA

Olá internatutas...Vamos falar um pouco sobre interações entre os seres vivos e para tal escolhi a preguiça..o Texto baseia-se na publicação: SUUTARI. M. et al. Molecular evidence for a diverse green algal community growing in the hair of sloths and a specific association with Trichophilus welckeri (Chlorophyta, Ulvophyceae). BMC Evolutionary Biology. publicado on-line em 30 mai. 2010.


Não é nenhum segredo , pelo menos entre os biólogos e amantes da Biologia , nesse caso este que vos escreve, que o tom marrom-esverdeado dos grossos pelos das preguiças se deve à presença de organismos clorofilados. Algas verdes e cianobactérias (antigas algas azuis) escondidas na pelagem ajudam esses lentos mamíferos que vivem trepados nas árvores a se camuflar na mata e despistar seus predadores. Mas os pesquisadores não imaginavam que essa parte do corpo das preguiças pudesse abrigar um miniecossistema tão variado. Um estudo filogenético feito com amostras da pelagem de 71 animais, pertencentes às seis espécies de preguiça existentes, encontrou material molecular oriundo de 72 grupos distintos de organismos – desde aranhas, mariposas, besouros e baratas até um grande número de micróbios. Segundo um dos autores do trabalho, o Ecólogo Adriano Chiarello da PUC-MG , havia seres que eram produtores (algas), consumidores (protozoários) e decompositores (fungos) de alimentos e esse fato não era esperado. Outra informação interessante foi a grande incidência de um grupo de algas verdes do gênero Trichophilus, identificadas na pelagem de 73% das preguiças analisadas, independentemente de sua origem geográfica.
O dado reforça a ideia de que há realmente uma antiga relação de simbiose (entende-se por interações entre os seres vivos) entre as preguiças e as algas. Vale ressaltar que nesse caso a interação a ser considerada é o mutualismo. Esse tipo de mamífero só ocorre nas florestas tropicais da América Central e do Sul e os animais analisados no trabalho eram provenientes de quatro países: Brasil, Guiana Francesa, Costa Rica e Panamá. Os pesquisadores acreditam que uma espécie de alga verde, a Trichophilus welckeri, descoberta há mais de um século e meio, seja encontrada na natureza apenas nos pelos das preguiças. A alga foi descrita em 1841 em amostras da pelagem desses animais e nunca mais foi documentada em outros hábitats Provavelmente ela não está presente em mais nenhum ambiente, afirma a autora do trabalho. Assim, pode-se concluir que realmente é um interação interespecífica harmônica do tipo MUTUALISMO. Se essa hipótese estiver correta, trata-se de uma alga que acabou se desenvolvendo em paralelo à história evolutiva desses solitários escaladores de árvores, talvez estabelecendo uma estreita relação com seu hospedeiro por excelência.
Fonte de nutrientes - A pelagem das preguiças parece ser realmente um bom meio de cultura de algas. Tem estrias e fissuras e, ao contrário do pelo de outros mamíferos, absorve água. Além de fornecer um despiste cromático para os mamíferos, as algas talvez sejam uma pequena fonte extra de nutrientes que seriam absorvidos via difusão pela pele das preguiças. Outras hipóteses ainda não testadas têm sido propostas para explicar essa estreita ligação entre algas e preguiças. As algas poderiam, por exemplo, produzir substâncias que deixariam os pelos com a textura mais apropriada para o crescimento de bactérias benéficas. Ou ainda produzir certos tipos de aminoácidos que absorveriam raios ultravioleta, ou seja, atuariam como protetores solares para as preguiças. As algas do gênero Trichophilus se perpetuam entre as preguiças passando provavelmente das mães para os filhotes, quando estes alcançam algumas semanas de vida, sugere o estudo. Entre os 19 animais que não abrigavam essas algas, sete eram bebês. Talvez no momento em que as amostras de pelo foram recolhidas para o estudo esses tenros filhotes ainda não tinham tido tempo de contato suficiente com as mães para adquirir o amigo verde.
As preguiças se dividem em dois gêneros: o Bradypus, em que estão as chamadas preguiças de três dedos, com quatro espécies (B. tridactylus, B. torquatus, B. variegatus e B. pygmaeus); e o Choloepus, as preguiças de dois dedos, com duas espécies (C. didactylus e C. hoffmanni). A presença das algas verdes também parece seguir esse padrão, visto que as espécies de Trichophilus identificadas num gênero são aparentemente distintas das achadas no outro. Com exceção da B. pygmaeus, existente apenas numa ilha do Panamá, as outras cinco espécies são encontradas no Brasil. Uma delas, a B. torquatus, popularmente conhecida como preguiça-de-coleira e que está ameaçada de extinção, só existe na Mata Atlântica brasileira. Por ser um bicho exclusivo das florestas nacionais, a preguiça-de-coleira foi a única representante brasileira no estudo sobre algas que vivem na pelagem desse mamífero. Embora tenham sido identificados vários tipos de algas terrestres no pelo da B. torquatus, exemplares do gênero Trichophilus não foram achados. Também na C. didactylus algas desse gênero não foram encontradas. Mas, como havia amostras de pelos de somente dois exemplares dessa espécie, não foi possível fazer uma análise mais definitiva nesse caso. Segundo, Chiarello existe a possibilidade de na continuidade do rabalho esfetuar o estudo da presença de algas em preguiças-comuns (B. variegatus) que têm uma ampla distribuição no Brasil, incluindo a Mata Atlântica e boa parte da Amazônia brasileira.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Corredores nas lavouras - Orientação das fileiras de cultivo pode ajudar locomoção de pequenos mamíferos

© fabio colombini
As plantas ordenadas em fileiras, formando um campo listrado, destoam em tudo das ilhas de floresta que despontam aqui e ali na paisagem, em geral acompanhando os morros. É nessa paisagem, nos municípios fluminenses de Guapimirim e Cachoeiras de Macacu, que os biólogos Jayme Prevedello e Marcus Vinícius Vieira, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avaliaram a movimentação de pequenos mamíferos em meio a plantações de mandioca. Eles descobriram que as fileiras de cultivo funcionam como corredores que facilitam a movimentação dos animais, conforme mostram em artigo na revista Biological Conservation.

Para avaliar a capacidade das plantações como conectores dos pequenos remanescentes de floresta que ainda restam na região, os pesquisadores capturaram marsupiais típicos da mata atlântica – o gambá-de-orelha-preta Didelphis aurita e a cuíca-cinza Philander frenatus – e os soltaram em pontos desconhecidos pelos animais: a pelo menos um quilômetro de distância, em pleno mandiocal, em distâncias variadas de outro fragmento de floresta. Cada um deles levava, preso às costas, um novelo de fio de náilon que se desenrolava à medida que o animal avançava, deixando a rota registrada. Uma técnica simples e eficaz muito usada por biólogos, semelhante à que permitiu a Ariadne sair do labirinto na lenda grega do Minotauro.

Vieira e Prevedello testaram, ao todo, 24 gambás e 37 cuícas, e nas duas  espécies a maior parte dos animais tentou encontrar o caminho de casa andando ao longo dos corredores formados por fileiras de mandioca, em vez de cruzá-los em rotas perpendiculares à orientação da lavoura. “Eles só saíam das linhas de plantio quando estavam muito próximos de um fragmento de floresta, no máximo 50 metros. Mesmo assim, alguns ainda escolhiam os caminhos feitos pelos agricultores”, conta Vieira, coordenador do estudo.
Isolados - Na área de estudo, esses marsupiais raramente saem da mata, segundo mostra o grupo da UFRJ. Mais recentemente, os pesquisadores cariocas acompanharam alguns desses animais dentro dos fragmentos de floresta e viram que eles saem muito pouco. “A maioria só se aventura fora da cobertura do dossel quando descobrem uma árvore frutífera carregada, no pasto ou na plantação, bem perto do fragmento”, diz Vieira, “nesse caso eles vão até a árvore e voltam imediatamente para a mata, a não ser que haja outro fragmento próximo: vimos que 8-10% dos indivíduos avançam até o outro fragmento”. A partir dessas observações, ele e Prevedello defendem que as plantações impensadas acabam causando uma fratura entre as ilhas de floresta ainda mais drástica do que o inevitável.

Conversando com agricultores, os ecólogos averiguaram que na maior parte das vezes não há uma justificativa forte para a orientação das fileiras de mandioca, a não ser em terreno inclinado. Muitas vezes elas são dispostas com base em algum riacho que corta o terreno, alguma outra interrupção como uma cerca ou mesmo de forma quase aleatória. “Sentimos que, na maior parte dos casos, não haveria resistência a planejar o plantio de forma a melhorar a conexão entre os fragmentos de floresta”, afirma Vieira.

Segundo o professor da UFRJ, ninguém até agora tinha olhado as plantações com esse enfoque. “Há na literatura internacional alguns relatos ocasionais de animais seguindo as linhas de plantio, mas sem que a movimentação fosse testada como fizemos.” Mesmo que os pequenos mamíferos relutem em sair da proteção do dossel de sua floresta, Vieira não acha impossível que as fileiras possam servir como trilhas que facilitam a migração entre um fragmento e outro de mata. “Em nosso estudo não tínhamos situações em que a linha de plantio chegasse até a mata”, conta, imaginando uma situação em que o corredor desimpedido se apresente aos animais logo na borda de seu hábitat natural.

Vieira tem continuado os estudos para entender a relação dos habitantes da mata atlântica com as plantações que isolam os trechos de floresta e avaliar que impacto podem ter ideias simples. “Mudar a orientação das fileiras é uma solução sem custo que pode ter efeito”, avalia. Como não tem custo, ele considera que vale a pena mesmo que o efeito seja modesto. Terminado o projeto de Jayme Prevedello, Vieira tem agora outros estudantes dedicados a estudos na mesma região. O gambá e a cuíca são os mais comuns entre os pequenos mamíferos dessa área de estudo, mas os corredores formados pela mandioca também podem facilitar o trânsito de outros animais, como roedores e lagartos.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Antes da guerra com os mosquitos- Contexto da viagem determina se é preciso tomar remédio contra malária

Quem vai à Amazônia teme voltar com malária. Como não há vacina, uma das formas de se prevenir é tomar medicamentos que evitam os danos dos protozoários causadores da doença no organismo. Os efeitos colaterais dos medicamentos preventivos, porém, podem ser intensos – um deles é ampliar a sensibilidade à luz e facilitar a ocorrência de queimaduras de pele por causa da exposição ao sol. Usar ou não medicamentos preventivos, de modo que os benefícios superem os inconvenientes, depende de variáveis como o lugar para onde o viajante vai, o tempo de permanência, a estação do ano em que viajará e a proximidade dos postos de atendimento médico, de acordo com trabalhos recentes de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) que delimitou os riscos de se contrair malária no Brasil, na África e em três países asiáticos, Tailândia, Indonésia e Índia. No mundo todo, a cada ano, a malária é diagnosticada pela primeira vez em 200 milhões de pessoas, das quais 100 milhões vivem na África e, desses 100 milhões, 1 milhão são crianças. No Brasil, cerca de 300 mil pessoas têm malária por ano, bem menos que os 6 milhões de casos registrados por ano no início da década de 1940.

O risco de ser picado pelos mosquitos do gênero Anopheles, transmissores da malária, é mínimo no inverno amazônico, que corresponde à época das chuvas, de dezembro a fevereiro. Cresce no outono e atinge o máximo no verão amazônico, que corresponde à época da seca, que tem seu pico entre julho e agosto. “O verão é a pior época para chegar, porque os mosquitos transmissores estão na atividade máxima”, diz Eduardo Massad, um dos coordenadores do grupo de pesquisa que delimitou os riscos de contágio considerando não só o clima, mas também a velocidade com que o Anopheles pode se reproduzir, infectar-se ou infectar as pessoas. Em um trabalho publicado na Malaria Journal em 2009, Massad, Marcelo Buratini e Francisco Antonio Bezerra Coutinho, da USP, Ronald Behrens, da London School of Hygiene and Tropical Diseases, afirmam que o risco de um viajante que circule pela Amazônia no verão contrair malária é pelo menos 10 vezes maior do que se viajasse no inverno.

O destino e o tempo de permanência também pesam. “Quem vai a um resort no rio Negro, uma região de águas escuras onde quase não tem malária, para passar três dias, não precisa tomar medicamentos profiláticos”, diz o médico Jessé Reis Alves, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. “Dependendo do objetivo e das circunstancias da viagem, o risco pode variar até em um mesmo lugar”, observa o médico infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP. “Quem vai de mochila para acampar ao ar livre tem muito mais risco de pegar malária do que quem fica em um hotel cinco estrelas.”

As medidas de prevenção começam pela tomada de consciência do risco de contrair a doença na região para onde se está indo. “Muitas pessoas viajam para áreas de alto risco de malária sem saber”, diz Alves. É importante também conhecer os sintomas iniciais – febre, dores pelo corpo, vômitos, diarreias, perda de apetite, tontura e cansaço. O tratamento é simples e eficaz, desde que o diagnóstico correto seja feito logo após o surgimento dos primeiros sintomas, evitando os danos no fígado, nos pulmões e no cérebro que acompanham os quadros mais graves.

É bom conhecer os hábitos básicos do Anopheles darlingi, o mosquito transmissor da malária no Brasil, que sai dos esconderijos ao anoitecer e ao amanhecer para se alimentar. Mas nem sempre é assim. Na África, o Anopheles gambiae, outro transmissor, ataca também durante o dia. Mais diferenças: no Brasil, nem todos A. darlingi estão infectados com o agente causador da doença, que aqui é geralmente o Plasmodium vivax, responsável por uma forma menos grave da doença. No Brasil a malária é essencialmente rural e raramente aparece em cidades. Por fim, há uma rede de atendimento médico, com cerca de 3 mil postos de diagnóstico e tratamento na Amazônia. Na África, o A. gambiae apresenta um alto grau de infestação – portanto, maior risco de transmissão – em geral com o Plasmodium falciparum, que causa uma forma mais grave e por vezes fatal de malária. Lá a doença ocorre em ambientes rurais e urbanos e os postos de atendimento médico são raros.
Outra medida preventiva é aplicar repelentes sobre a pele e usar camisas e calças compridas, principalmente nos horários ou nos lugares em que os mosquitos são mais frequentes, já que o risco de contrair malária aumenta de acordo com o número de picadas de mosquitos com Plasmodium. Os médicos recomendam que os viajan-tes, quando estiverem em lugares onde a malária é comum, coloquem mosquiteiros ou telas sobre as redes ou camas antes de dormir, de preferência em lugares cobertos. “O risco de pegar malária cai até 80% quando se faz corretamente a proteção contra as picadas do mosquito”, diz Alves. Como alternativa, quem não quiser começar a tomar medicamentos antes da viagem pode levar os antimaláricos quando for a uma região de alto risco e usá-los caso tenha febre, mesmo sem fazer exame de sangue que confirme a doença.

Os médicos dizem que a medicação deve complementar essas medidas preventivas e não ser adotada isoladamente, por causa dos efeitos colaterais indesejados. Além de ampliar a sensibilidade à luz solar, a cloroquina, o antimalárico mais usado atualmente no Brasil, pode causar enjoos. A mefloquina, apesar de eficiente, deixou de ser usada oficialmente por eventualmente ampliar o risco de distúrbios psiquiátricos e a tendência ao suicídio. Boulos conta de um executivo alemão que trabalhava em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e tomou cloroquina durante três anos para se prevenir, mesmo sem necessidade; não pegou malária, mas ficou cego, por causa do uso exagerado do remédio. Outro inconveniente é que, para funcionar adequadamente, o tratamento com esses medicamentos precisa começar uma a duas semanas antes da chegada à área de risco, prosseguir enquanto o viajante estiver lá e só terminar quatro semanas após a volta. Uma viagem de duas semanas, portanto, implica tomar remédio durante nove semanas.
Além disso, os antimaláricos funcionam melhor contra o Plasmodium falciparum, menos frequente no Brasil que o P. vivax. Por fim, há ainda o risco de o Plasmodium – principalmente o falciparum – se tornar resistente aos medicamentos. Nesse caso, um viajante prevenido, que tomou antimalárico, pode sentir febre e cansaço extremo, sinais típicos da malária, mas pensar que esses sintomas não são dessa doença, quando na verdade o remédio que tomou é que não está funcionando para combater Plasmodium resistentes à medicação.

Em novembro de 2010, dois viajantes – um vindo da Nigéria e outro da Costa do Marfim – morreram de malária em São Paulo depois de passarem por hospitais cujos médicos não souberam identificar a doença. “Ao voltar, caso tenha febre alta, o viajante deve falar para o médico que viajou e insistir para fazer o teste contra malária”, enfatiza Alves. Às vezes, não ocorre aos médicos que a febre e o mal-estar podem ser sintomas de malária, porque, se vivem nas capitais do Sudeste ou Sul do país, provavelmente nunca a diagnosticaram.
“A responsabilidade da prevenção cabe ao serviço de saúde, aos próprios viajantes e às empresas, quando enviam os funcionários para áreas de alto risco”, diz Alves. Segundo ele, quem vai trabalhar em um país da África como Angola, onde a malária é endêmica, deveria adotar todas as medidas de precaução possíveis.

“Um período de permanência de 15 dias na África já justifica o uso de medidas preventivas, incluindo medicação”, diz Massad. Graduado em física e em medicina, ele esteve à frente do estudo que comparou o risco de contrair malária na África, no Brasil e em três países asiáticos, Tailândia, Indonésia e Índia. A África emergiu como região de alto risco, o Brasil – e mesmo a Amazônia – como risco médio, em princípio dispensando o uso de medicação no caso de estadas breve, já que estatisticamente surgem dois casos de malária em cada mil viagens para o norte do Brasil, e os três outros países como risco baixo.

Em um trabalho aceito para publicação no Malaria Journal, Massad, Behrens e Coutinho fazem uma análise de custos e de benefícios para adotar medidas de prevenção contra malária em larga escala para quem viaja para países ou regiões em que a doença é comum. A conclusão pode soar desconfortável, mas Massad lembra que a análise de custos é fria. “Do ponto de vista de saúde pública”, diz ele, “é mais barato tratar quem pegar malária do que evitar que todo viajante pegue a doença”.

A abordagem brasileira é evitar o uso de medicação, a não ser que algo realmente a justifique. “Faço trabalho de campo na Amazônia desde 1974, nunca tomei medicamentos profiláticos e nunca peguei malária”, afirma Boulos. “O mais importante é ter consciência do risco.” Nem sempre, porém, Alves e os outros médicos do ambulatório dos viajantes do Emílio Ribas conseguem explicar rapidamente a um turista estrangeiro que não precisa se preocupar com malária apenas porque está indo ao Rio de Janeiro.
Um debate em Miami - Enganos desse tipo são comuns. Um mapa do livro CDC health information for international travel, recém-publicado pela Universidade de Oxford, indica que toda a América do Sul é de alto risco de malária, quando na verdade a doença está restrita a algumas áreas da Amazônia. “Normalmente os europeus entendem rapidamente que o risco é diferente, mesmo na Amazônia, mas os norte-americanos não abdicam da medicação preventiva”, diz Alves.

Em um congresso sobre infectologia realizado em março de 2010 em Miami, nos Estados Unidos, Boulos participou de uma mesa-redonda sobre prevenção de malária por meio de medicamentos e argumentou que o repelente e outras medidas é que deveriam ser priorizados. Ao seu lado estava Paul Arguin, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), defendendo a posição oficial dos médicos dos Estados Unidos, que temem que os viajantes voltem com malária e morram ou espalhem a doença porque não conseguiram fazer o diagnóstico correto. “Não há por que usar medicamentos contra malária onde não há malária”, Boulos argumentou. “O risco de pegar malária em São Paulo é o mesmo que em Nova York.” O debate terminou sem que as visões mudassem.

Vírus e bactérias podem se propagar rapidamente, principalmente entre pessoas que nunca tiveram contato com os microrganismos. Há poucos meses, duas pessoas em São Paulo e outra no Rio de Janeiro foram diagnosticadas com o vírus chikungunya, comum em vários países da África e da Ásia – o mosquito transmissor é o Aedes, o mesmo da dengue. “Novas doenças podem aparecer e se espalhar rapidamente, porque as pessoas nunca tiveram contato com os agentes que as causam e não desenvolveram defesas contra eles”, diz Boulos. Por essa razão é que ele prevê “uma grande epidemia” de dengue tipo 4 no próximo verão, principalmente nas cidades onde os outros tipos do vírus da dengue já contaminaram as pessoas.

“Do ponto de vista teórico, matar os mosquitos transmissores, principalmente durante os surtos, é a medida mais eficiente de deter a dengue”, diz Massad. “As campanhas públicas enfatizam a destruição de criadores de mosquitos em águas paradas, mas desse modo o poder público se exime de responsabilidade de matar mosquito.” Para ele, a política de controle da dengue deveria combinar todas as estratégias.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Especial // Ano Internacional da Química --Das moléculas aos organismos

Quando se fala em biodiversidade, uma das maiores riquezas do Brasil, o que vem à mente costuma ser plantas e animais, numa enorme variação de formas, cores, tamanhos e tipos. Quase ninguém se lembra das moléculas que, com uma diversidade igualmente espantosa, permeiam todo esse patrimônio natural. Entre os raros conscientes da importância da química estão os palestrantes do quarto encontro do ciclo de conferências organizado pela FAPESP e pela Sociedade Brasileira de Química, que celebra o Ano Internacional da Química. Vanderlan Bolzani, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, Carlos Alfredo Joly e Anita Marsaioli, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), encantaram no dia 19 de julho uma plateia composta em grande parte, apesar de ser período de férias, de alunos do Instituto Técnico de Barueri. A presença desses jovens cheios de interesse foi preciosa para os conferencistas, que não perderam a chance de apresentar a diversidade oculta e de indicar campos de trabalho e de pesquisa promissores.

“Um dos objetivos do Ano Internacional é promover a reflexão sobre a importância da química para a sustentabilidade”, comentou Dulce Siqueira Silva, da Unesp de Araraquara, coordenadora do dia. Um bom ponto de partida, retomado pelos três palestrantes. O botânico Carlos Alfredo Joly falou justamente de sustentabilidade. Ele é coordenador do Programa Biota, da FAPESP, que, nos primeiros 10 anos de atividades em inventários da biodiversidade dos ecossistemas paulistas, mostrou como o conhecimento científico pode ajudar na sua preservação (ver também Trilha Ecológica). E vem de fato contribuindo. Os mapas produzidos pelo Biota para indicar áreas para conservação e restauração no cerrado e na mata atlântica no estado de São Paulo (ver Pesquisa FAPESP nº 141), além das diretrizes publicadas em livro, acabaram ajudando a Secretaria do Meio Ambiente a aprimorar a legislação. Segundo o professor da Unicamp, até agora 19 instrumentos legais usam informações do Biota. “Isso raramente acontece”, disse Joly, “e o conhecimento que reunimos também foi usado para zonear áreas para o plantio de cana-de-açúcar no estado”. Mais do que isso, o exemplo deu origem a iniciativas semelhantes em outros estados e na escala federal, além de gerar parcerias na América Latina e na África. O Programa Biota tem continuidade garantida até 2020.

Mesmo dando origem a produtos como os mapas, as listagens de espécies estão longe de ser o fim da história. Alguns projetos do Biota, como o coordenado pelo próprio Joly, buscam desvendar os ambientes terrestres, ainda muito pouco conhecidos. “Precisamos descrever os ciclos do carbono, da água, de nutrientes, entender como as mudanças climáticas afetam os ecossistemas e os serviços que eles oferecem”, alertou o botânico. Ele lembrou que o domínio da mata atlântica está ocupado pelas maiores capitais brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, e abriga cerca de 125 milhões de pessoas. “Só sobrou cerca de 10% dessa floresta, e é daí que vem a água para toda essa população.” Um exemplo dos problemas sérios causados pela redução da floresta é a situação do fornecimento de água para o estado do Rio de Janeiro, feito principalmente pela represa do Paraibuna, a 320 quilômetros da capital fluminense. “Já não tem água mais próxima”, afirmou.

Para entender o funcionamento da mata atlântica, o grupo coordenado por Joly está estudando áreas num gradiente de altitude que vai desde o nível do mar, em Ubatuba, até mil metros de altitude, em São Luiz do Paraitinga. “Marcamos 21 mil árvores de 625 espécies”, relatou. Os resultados mostram que a mata atlântica é muito diferente da floresta amazônica na forma de armazenar carbono. Principalmente nas áreas mais altas, a floresta úmida típica da Região Sudeste armazena mais carbono do solo para baixo do que acima dele. Nessas zonas de montanha, muito da matéria orgânica que cai – como galhos e folhas – se decompõe lentamente, por causa do frio. “A gente anda num chão fofo, que na verdade não é solo, é turfa”, contou. Essas regiões são, por isso, muito suscetíveis aos processos de mudanças climáticas. Com o aquecimento global, essa matéria orgânica deve se decompor mais depressa e muito do carbono será liberado, agravando o efeito estufa.

Aproximando-se da química, Joly disse que a riqueza nacional ainda é pouco aproveitada, inclusive por causa da legislação, que torna, em suas palavras, um martírio trabalhar nessa área. “Precisamos utilizar a diversidade química da nossa biodiversidade, inclusive como mecanismo de sustentabilidade”, afirmou. Um dos desafios que ele assumiu, ao aceitar o cargo de diretor do Departamento de Políticas e Programas Temáticos (DPPT) no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), é flexibilizar as regras para pesquisa e desenvolvimento de novos produtos oriundos da biodiversidade. Uma iniciativa imprescindível para impulsionar a Rede Biota de Bioprospecção e Bioensaios, o BIOprospecTA, um subprograma do Biota dedicado a encontrar na natureza moléculas que possam ser úteis ao ser humano.
Diversidade molecular - A vertente química do Biota foi inaugurada por Vanderlan Bolzani em 2003. “Foi o primeiro projeto de química de produtos naturais dentro de um programa de pesquisa em biodiversidade”, contou ela. Com seu orientador Otto Gottlieb, pioneiro da química de produtos naturais no Brasil, ela aprendeu que a diversidade das moléculas tem alto valor agregado – um valor científico que pode se tornar econômico. “Uma planta produz centenas de substâncias, e apenas uma delas pode ser mais importante que uma galáxia”, afirmou, parafraseando o mestre.
Muitas das moléculas hoje usadas na indústria farmacêutica são sintéticas, como mostraram as conferências de junho (ver Pesquisa FAPESP nº 185), mas os químicos se inspiram na biodiversidade para produzir essas substâncias complexas. Por isso, para Vanderlan, é importante que esse laboratório natural seja mantido. Um exemplo é o caramujo Conus magus, que vive no mar Vermelho e no oceano Índico, e de cujo veneno foi obtida uma substância analgésica mil vezes mais potente que a morfina, aprovada para uso clínico nos Estados Unidos em 2004. “Duzentos anos depois da descoberta da morfina, a bioprospecção em ambientes marinhos deu origem a um medicamento ainda mais eficaz para o tratamento da dor crônica”, ressaltou a química da Unesp.

No Brasil, ela lamenta tantas oportunidades perdidas. “Temos um grande número de espécies de mirtáceas na nossa biodiversidade”, contou, referindo-se à família de plantas que em outros lugares do mundo já serviram como base para medicamentos. É o caso da bucha-de-garrafa (Callistemon citrinus), em que foi encontrada a substância nitisinona, que, com uma pequena modificação, deu origem ao tratamento para uma doença rara. “Se no Brasil tivéssemos o ambiente e a estrutura corretos, aproveitaríamos muito melhor as oportunidades que as plantas nos oferecem”, afirmou. Afinal, cerca de 55 mil espécies vegetais povoam os ecossistemas do país.

Uma história de sucesso envolve a erva-baleeira (Cordia verbenacea), muito comum em toda a costa brasileira, que deu origem ao creme Acheflan, indicado para tendinites e dores musculares. Segundo Vanderlan, foi o primeiro anti-inflamatório completamente desenvolvido no Brasil, numa parceria entre universidades (Universidade Federal de Santa Catarina e Unicamp) e indústria (Laboratório Farmacêutico Aché). O medicamento é feito de substâncias que Vanderlan extraía em seus tempos de estudante, mas não tinha uso para elas. Com o avanço do conhecimento, o que antes era descartado hoje se tornou líder de vendas.

Muita pesquisa é necessária para atingir esse conhecimento: as substâncias não vêm com bulas destacando o uso indicado. Ao contrário, muitas vezes elas são tóxicas no estado natural. “A natureza produz essas moléculas para sua própria regulação; ela não produz absolutamente nada pensando na nossa saúde”, destacou. Os pesquisadores é que precisam estudar para adaptá-las.
Natureza química – A diversidade do uso das substâncias pelos animais e plantas que as fabricam é o tema da química Anita Marsaioli, amarrando ainda mais a química à biodiversidade. “Não sei classificar plantas nem animais, sei classificar substâncias químicas”, contou. Por isso faz seus projetos em parceria com biólogos.

É o caso de estudos com opiliões, que conta com ajuda de Glauco Machado, da Universidade de São Paulo (ver Pesquisa FAPESP nº 144). Ela contou que esses aracnídeos exalam “um mau cheiro horroroso”, e é essa mistura de substâncias de defesa química que seu grupo investigou no contexto da evolução e diversificação do grupo. A equipe mapeou na árvore filogenética – a árvore genealógica das espécies – as substâncias encontradas na secreção. A análise mostra que algumas surgiram em certo ponto da árvore, pista para investigar se algo mais mudou na biologia daqueles opiliões. A descoberta é curiosa: as espécies em que surgiram novos compostos também lançam o líquido de defesa, em vez de simplesmente ter gotículas brotando do corpo.

Descobrir quais são as substâncias, como são formadas e seu mecanismo de ação não é fácil. Nesse caso, exigiu que os químicos da Unicamp montassem o que Anita chama de hotel de opiliões e sintetizasse substâncias em laboratório. Com isso, mostraram como a defesa jorrada persiste no ambiente e aos poucos, ao longo de cinco dias, libera o cheiro espanta-predador. Agora o grupo está prestes a descrever como os opiliões produzem essas substâncias sem acesso a truques de laboratório, como ampolas, onde a reação acontece sem oxigênio e a 180 graus Celsius.

O universo encantador revelado por Anita é uma verdadeira homenagem à variação biológica e química da natureza brasileira. Envolve sistemas diversos como a comunicação química entre plantas da família das malpighiáceas e abelhas solitárias, e a diversidade de venenos numa única espécie de formigas lava-pés (Solenopsis saevissima) até mesmo dentro de uma mesma colônia (operárias e rainhas têm compostos distintos que podem ter funções completamente diferentes).

“A biodiversidade está nos organismos, nas enzimas, nas moléculas”, concluiu Anita, que insiste que a pesquisa no país precisa investir naquilo que ele tem de melhor. Diante de oportunidades no exterior no início da carreira, optou por desbravar a biodiversidade brasileira. Não se arrepende.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A FASCINANTE EVOLUÇÃO DO OLHO - POR TREVOR D. LAMB

O olho humano é um órgão de grande complexidade, atuando como uma câmera, coletando, focando luz e convertendo a luz em um sinal elétrico traduzido por imagens pelo cérebro. Trata-se de um sistema que não funciona na ausência de quaisquer dos seus componentes.
Segundo Charles Darwin , embora não dispondo de evidência paleontológica , sugeriu que o olho teria evoluído por seleção natural. Contudo, não foi fácil encontrar evidências indiretas para essa teoria uma vez que tecidos moles raramente fossilizam, contrário do documentário fóssil que evidencia a evolução do esqueleto dos vertebrados.
Estudos recentes envolvendo a análise da formação dos embriões e comparação de estruturas e  dos genes de várias espécies permitiram sugerir que o tipo de olho comum nos vertebrados evoluiu em menos de 100 milhões de anos partindo de simples sensores fóticos existentes nos animais há cerca de 600 milhões de anos para órgãos sofisticados em termos ópticos e neurológicos presentes nos animais que habitaram o planeta há 500 milhões de anos.
Durante a explosão cambriana (540-490 milhões de anos) surgiram basicamente dos tipos de olhos. O primeiro parece ter sido composto da versão observada atualmente em quase todos os artrópodes. Nesse tipo de olho, uma série de unidades idênticas de geração de imagem – cada uma constitui uma lente ou refletor – irradia luz para alguns elementos sensíveis a ela, os fotorreceptores. Os olhos compostos são muito eficazes para animais de pequeno porte, pois oferecem um amplo ângulo de visão e resolução espacial moderada em volume pequeno. No entanto, olhos compostos seriam impraticáveis em animais maiores, pois o olho teria de ser enorme par proporcionar visão de alta resolução. Assim, com o aumento do tamanho do corpo, também aumentaram as pressões seletivas favorecendo o olho tipo câmera.
Nos olhos tipo câmera, todos os fotorreceptores compartilham uma única lente que foca a luz e estão dispostos como uma lâmina ( a retina) que reveste a superfície interna da parede ocular. O moluscos possuem olhos que lembram os nossos, mas seus fotorreceptores são idênticos aos encontrados nos insetos. Os vertebrados apresentam um tipo diferente de fotorreceptores, que nos mandibulados (inclusive nós) ocorrem em duas modalidades : cones para a visão diurna e bastonete para a visão noturna.
Cientistas observaram que muitas características marcantes do olho dos vertebrados também ocorrem em todos os representantes atuais de uma ramo principal da árvore evolutiva dos vertebrados :a dos vertebrados mandibulados. Esse padrão sugere que os vertebrados com mandíbulas herdaram os caracteres de um ancestral comum e que nosso olho já evoluíra por volta de 420 milhões de anos quando os primeiros vertebrados mandibulados ( que provavelmente se assemelhavam aos modernos peixes cartilaginosos, como os tubarões) patrulhavam os mares. O nosso olho tipo câmera e os fotorreceptores devem ter raízes mais profundas e repousa em vertebrados sem mandíbulas com quem compartilhamos um ancestral comum há cerca de 500 milhões de anos.
Para estudar esse vertebrado sem mandíbula, os cientistas utilizaram a lampreia, que apresenta olho do tipo câmera completo, com cristalino, íris e músculos oculares. A retina chega a apresentar uma estrutura com três camadas como a nossa e suas células fotorreceptoras se assemelham bastante aos nossos cones, embora pareçam no ter desenvolvido bastonetes mais sensíveis. Além disso os genes que regulam muitos aspectos da detecção da luz, do processamento neural e do desenvolvimento do olho são os mesmos que comando esses processos em vertebrados com mandíbulas.
Essas semelhanças surpreendentes com o olho de vertebrados são numerosas demais para terem surgido de forma independente. Um olho essencialmente idêntico ao nosso deve ter existido no ancestral comum dos vertebrados com ou sem mandíbula há 500 milhões de anos. Infelizmente, os cientistas não podem estudar nos seres anteriores uma vez que não há representantes vivos, ou seja, não há representantes vivos dos ancestrais que deram origem ao grupo dos Cordados que incluem os protocordados e os vertebrados. Esses ancestrais se separaram do nosso grupo, os cordados vertebrados nos últimos 50 milhões de anos , posterior aos 500 milhões de anos. Entretanto há indícios no olho de um animal, um tanto enigmático conhecido popularmente como peixe-bruxa.
O peixe-bruxa, também chamado de feiticeira, faz parte do grupo de  animais sem mandíbulas que juntamente com a lampreia constituem os únicos representantes vivos dos ágnatos (animais sem mandíbula). O peixe-bruxa não apresenta o padrão comum de olho dos vertebrados. Trata-se de um olho que não apresenta íris, cristalino nem todos os músculos de apoio. A retina tem apenas duas camadas de células em vês de três. Além disso, os olhos ficam encaixados profundamente sob uma área de pele translúcida. Evidência experimentais indicam que seja um animal praticamente cego e utilize o olfato para localizar o alimento. Esses animais, compartilham um ancestral comum com as lampréias , que talvez tenha tido um olho tipo câmera. O olho do peixe-bruxa manteve-se igual por centenas de milhões de anos. Pois embora o animal não utilize olhos para enxergar na profundeza oceânica, o mesmo é importante para a sobrevivência.
Ao analisar a estrutura da retina da lampreia nota-se que a mesma possui um padrão diferente. Na retina normal existem três camadas, havendo a camada média que possui neurônios bipolares , que processam as informações dos fotorreceptores e transmitem os resultados para os neurônios de saída, cujos sinais viajam até o cérebro para interpretação. No caso da retina, com somente duas camadas, sem as células nervosas bipolares intermediárias, presentes na lampreia, os fotorreceptores conectam-se aos neurônios de saída. E nesse sentido, o sistema nervoso da retina do peixe-bruxa assemelha-se ao da glândula pineal (pequeno corpo secretor de hormônios do cérebro dos vertebrados). Essa glândula modula o ritmo circadiano e, nos vertebrados não mamíferos, contém células fotorreceptoras que se conectam diretamente com os neurônios de saída, sem células intermediárias; em mamíferos, essas células perderam a capacidade de detectar luz.
Estudos anatômico e fisiológicos sugerem que o olho do peixe-bruxa não está envolvido na visão, mas fornece informações à parte do cérebro do animal que regula o essencial ritmo circadiano, além de atividades sazonais como alimentação e reprodução. Assim, talvez, o olho ancestral dos protovertebrados que viveram entre 550 ou 500 milhões de anos, primeiro serviu como um órgão não visual, e só mais tarde o poder de processamento neural e os componentes ópticos e motores necessários para a visão espacial evoluíram.
Aspectos embrionários do olho dos vertebrados apóiam essa hipótese. Quando a lampreia está na fase larval , vivendo sob o leito de riachos é cega e o olho assemelha-se ao do peixe-bruxa. Quando ocorre metamorfose, o olho rudimentar cresce substancialmente, desenvolve retina com três camadas, cristalino, córnea e músculos de apoio e finalmente, emerge na superfície como o olho tipo câmera dos vertebrados mandibulados. Muitos aspectos do desenvolvimento de um indivíduo espelham eventos que ocorreram durante a evolução de seus antepassados, assim pode-se, com cautela utilizar o padrão observado na lampreia para reconstrução da evolução do olho humano. Lembre-se que : A Ontogenia recapitulando a filogenia é uma teoria da biologia proposta pela primeira vez por Ernst Haeckel que a designou por lei biogenética. A ontogenia refere-se ao desenvolvimento dos embriões de uma dada espécie: a filogenia refere-se à história evolucionária das espécies. A teoria defende que o desenvolvimento do embrião de uma dada espécie repete o desenvolvimento evolucionário da espécie.
O olho dos vertebrados também demonstra indícios da sua origem evolutiva durante o desenvolvimento embrionário. O circuito  (interação entre os neurônios) da retina  de mamíferos começam um pouco como os dos peixes-bruxas, com os fotorreceptores conectando-se diretamente com os neurônios de saída. Então, em um período de semanas, as células bipolares amadurecem e se inserem entre os fotorreceptores e os neurônios de saída. Essa sequência é exatamente o padrão de desenvolvimento esperado para confirmar se a retina de vertebrados evoluiu de um órgão de duas camadas, acrescentando poder de processamento e componentes de formação de imagem. Portanto, parece perfeitamente plausível que esse estágio inicial e simples de desenvolvimento representa o resquício de um período de evolução anterior á criação do circuito de células bipolares na retina e antes do surgimento do cristalino e, córnea e músculos.
Outro fato interessante reside no tipo de célula utilizada para detecção de luz. As células fotorreceptoras do reino animal dividem-se em raddoméricas e ciliares. Até recentemente, os cientistas acreditavam que os invertebrados usavam as rabdoméricas e os vertebrados as ciliares. Na grande maioria dos organismos, os fotorreceptores ciliares são responsáveis pela detecção de luz para fins não visuais como regular o ritmo circadiano, por exemplo. Em contraste, os receptores rabdoméricos detectam a luz com propósito explícito de permitir a visão. Artrópodes e moluscos que evoluíram de forma independente ao olho dos vertebrados usam fotorreceptores raddoméricos. Os vertebrados usam células ciliares para fins visuais.
O olho humano ainda retém descendentes dos fotorreceptores rabdoméricos, que foram modificados para formar os neurônios de saída que enviam informações da retina para o cérebro.A nossa retina contém os descendentes das duas classes de fotorreceptores : as ciliares, originalmente fotorreceptoras, e as rabdoméricas, transformadas em neurônios de saída. No vertebrados os fotorreceptores ciliares triunfaram como sensores de luz na retina, enquanto a classe rebdomérica evoluiu para neurônios de projeção. Admitindo que os cordados primitivos , que habitavam os nichos mais escuros no leito oceânico, os fotorreceptores rabdoméricos, menos sensíveis à luz, estavam disponíveis juntamente com os fotorreceptores ciliares, tornaram-se livres e estavam disponíveis para um novo papel: de neurônios transmissores de sinais da retina para o cérebro.
No início do desenvolvimento embrionário, a estrutura neural que dá origem ao olho se projeta em um dos lados formando dois sacos ou vesículas. Depois, as vesículas se dobram, formando uma retina em forma de C que reveste o interior do olho. Na etapa seguinte, enquanto a retina dobra-se para o interior, forma-se o cristalino, oriundo do espessamento da superfície externa do embrião, ou ectoderma, que protrai no espaço curvo vazio formado pela retina em forma de C. Por fim, essa protusão se separa do resto do ectoderma, tornando-se um elemento de livre flutuação.
Em termos evolutivos, essas etapas da embriogênese marcaram a evolução do olho humano. Assim, com o surgimento do cristalino para captar luz e focar imagens, permitiu que a capacidade de coletar informações melhora-se substancialmente.
Finalmente, ocorreu evolução dos músculos capazes de movimentar os olhos, permitindo ampliação do campo visual.



'Epidemia' de obesidade infantil no Brasil preocupa médicos

As estatísticas apontam que a obesidade infantil é a que cresce mais rapidamente no Brasil, e o cenário agravado por mudanças nos hábitos alimentares, ampla oferta de produtos hipercalóricos e menos atividades físicas nas horas de lazer preocupa médicos que lidam com o problema.
Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, do IBGE, indicam que, em 20 anos, os casos de obesidade mais do que quadruplicaram entre crianças de 5 a 9 anos, chegando a 16,6% (meninos) e 11,8% (meninas).
"É de chorar como está vertiginoso o aumento, como o ritmo está maior", diz a nutricionista Inês Rugani, professora da Uerj e sanitarista do Instituto de Nutrição Annes Dias. "A obesidade vem aumentando faz tempo entre os adultos, mas não era observada na infância dessa forma."
"Tratamos a obesidade infantil como uma epidemia pelo ritmo vertiginoso de aumento que está tendo no mundo, e o Brasil está acompanhando esse fenômeno", diz Rugani, apontando que, em contrapartida, o processo de desnutrição está em processo de superação no País.
Quando se consideram também as crianças com excesso de peso, o problema é ainda mais alastrado. De 1989 para 2009, o sobrepeso mais do que dobrou entre meninos, e triplicou entre meninas.
Hoje, um em cada três meninos e meninas de 5 a 9 anos está acima do peso normal para a idade. O fenômeno é grave também entre pessoas de 10 a 19 anos, faixa de idade em que o excesso de peso gira em torno de 20%.
Entre os fatores que levam ao aumento de peso ainda na infância, especialistas destacam mudanças no padrão alimentar, redução da prática de atividades físicas nas horas de lazer e diferentes hábitos nas refeições - não raro feitas de frente para a televisão.
"Os jogos antes eram na rua ou na pracinha, as crianças gastavam energia", diz o endocrinologista pediatra Paulo Solberg. "Hoje, as brincadeiras são no videogame."
"A noção de que elas têm que fazer atividade física é nova, porque antigamente elas faziam naturalmente", acrescenta. "Isso tem que ser passado para os pais e filhos."
Excesso de calorias
O aumento do consumo de alimentos de alto valor calórico, muitas vezes industrializados, também contribui para a obesidade - assim como o hábito de fazer refeições ou lanches fora de casa.
De acordo com dados do IBGE, quase 50% dos adolescentes comem fora de casa no dia a dia. Entre os itens mais consumidos na rua estão salgadinhos (fritos, assados ou industrializados), pizza, refrigerante e batata frita.
"A propaganda de alimentos faz esse apelo também, alimentos mais coloridos, milhares de biscoitos recheados", diz a nutricionista Rosana Magalhães, pesquisadora do departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz.
"Os alimentos processados tendem a ter uma densidade energética absurda e perdem a gama de nutrientes que tinham, ficam muito estéreis", acrescenta.
O custo de ter itens saudáveis na alimentação também pode pesar. Mãe da pequena Mylena, Luciane Queiroz Costa está desempregada e diz ser "entre trancos e barrancos" que consegue ter uma fruta ou legume na geladeira para a dieta da filha, que tem 8 anos e apresenta quadro de obesidade.
"A dificuldade é manter a geladeira com legumes e frutas pelo preço que está", diz Luciane. "Está tudo muito caro, fica complicado."
Há quatro anos, Mylena vem sendo atendida em um projeto de prevenção à obesidade infantil no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj. Começou recebendo orientação de nutricionistas, e há duas semanas teve sua primeira consulta com endocrinologistas para verificar se tem problemas metabólicos.
As tentações do dia a dia são um dos fatores que dificultam a sua dieta, e a mãe tem dificuldades para controlar a alimentação da filha. Luciane nem sempre resiste às súplicas de Mylena para levá-la a uma rede de lanchonetes.
Tratamento
O tradutor e intérprete inglês Peter Lenny, pai do jovem Thomas John Niskier Lenny, 13 anos, também enfrenta dificuldades com a alimentação do filho, que há dois anos luta - com sucesso - contra a balança.
"É muito difícil tentar reeducar uma criança em uma cultura que só empurra biscoitos e balas para as crianças o tempo todo", diz.
Lenny conta que doces e balas estavam na vida de Thomas "o tempo todo". "Como a turma dele na escola tem 30 crianças, isso dá em média dois aniversários por mês. Ele saía das festas com os bolsos cheios de doce e traçava em dois, três dias", conta.
"A gente sempre quis dar a ele responsabilidade para que aprendesse a administrar as suas coisas. Mas deu no que deu."
Aos 11 anos, Thomas estava acima do peso. Acabou procurando o Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade da Fiocruz que oferece tratamento para obesidade infantil.
"Eu já não aguentava mais, aquilo estava me deixando mal comigo mesmo", diz Thomas. "Quando descobri que não estava só gordinho, e sim com obesidade leve, foi um baque terrível."
Em abril, o jovem recebeu alta da nutricionista e do instrutor de educação física do IFF, após chegar a um peso considerado normal para sua idade.
"Agora estou feliz, fiquei muito satisfeito. A minha autoestima melhorou, tudo melhorou", diz o adolescente, que agora não ouve mais zombarias de colegas na escola e incorporou os cuidados com a alimentação e os exercícios físicos à sua rotina.
Políticas públicas
Para estimular hábitos mais saudáveis entre as crianças, a nutricionista Inês Rugani destaca a importância de políticas públicas para regulamentar tanto a alimentação em cantinas de escolas como para impor restrições à publicidade de alimentos.
Tentativas recentes de regulamentação do setor foram alvo de protestos da indústria. "Se você tem um ambiente que promove a obesidade, não há comportamento adequado que dê conta", avalia Rugani.
Segundo a nutricionista, a palavra-chave no combate à obesidade é prevenção.
"Quando você desenvolve a obesidade na infância e adolescência, a chance de você continuar obeso na vida adulta é muito grande", diz. "Esta deve ser uma prioridade de saúde pública, ainda mais diante do aumento que estamos observando."
Paulo Solberg ressalta a importância de que a criança seja acompanhada por um pediatra, que vai poder apontar quando a criança não está apenas "fofinha, saudável ou forte" - como muitas vezes são vistas pela família - e se está ganhando peso demais.
"O pediatra é uma peça fundamental no diagnóstico precoce e na orientação dos pais", diz. "Aquela criança gordinha, que a gente achava bonitinha, hoje em dia é vista de outra maneira, porque pode vir a ter problemas de saúde se continuar assim."

Fonte:http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5287194-EI306,00-Epidemia+de+obesidade+infantil+no+Brasil+preocupa+medicos.html

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Hidrelétricas emitem menos carbono do que se pensavaEmissão de gases de efeito estufa é menor conforme aumenta a latitude e a idade do reservatório

Existe geração de energia completamente limpa? Nem as hidrelétricas, que têm como matéria-prima um recurso renovável, a força da água no curso de rios, escapam da análise: elas também emitem gases de efeito estufa como dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). Porém, uma equipe internacional coordenada por Fábio Roland, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, conclui que as emissões são mais baixas do que se imaginava. Elas correspondem a 4% das emissões globais de carbono provenientes das águas distribuídas dentro dos continentes – rios, lagos, lagoas –, sendo que representam 20% dos reservatórios em geral, incluindo aqueles destinados ao abastecimento humano e à agricultura. Além disso, o grupo também concluiu que a emissão diminui quanto maior a latitude em que se encontram e quanto mais tempo têm. As mais poluidoras estão localizadas na Amazônia.
O estudo, publicado na Nature Geoscience desta semana (31 de julho), considerou 85 reservatórios distribuídos no mundo todo e se baseou em dados de revistas científicas renomadas como a Science até o final de 2010. Os cientistas de maneira geral acreditavam que os reservatórios de água feitos pelo homem emitiam 321 teragramas (Tg, 321 gramas com mais 12 zeros) de carbono por ano. No entanto, a equipe verificou que o número relativo aos reservatórios destinados à geração de energia é de 48 Tg de carbono. “É pouco, mas a energia hidrelétrica está se expandindo. Esse número certamente vai aumentar”, acredita Roland. “Muitos países como a China e a Índia estão centrando suas matrizes energéticas em hidreletricidade. Eles estão construindo grandes reservatórios”, completa.
Por enquanto, o Brasil e o Canadá são os principais produtores de energia hidrelétrica. Algumas delas, como a Usina Hidrelétrica de Balbina, estão localizadas na região amazônica e se destacam por ainda emitirem carbono para a atmosfera. Uma das explicações está na latitude: as atividades de decomposição são mais intensas nos reservatórios próximos ao Equador. “Mesmo assim, as usinas que geram energia usando combustível fóssil emitem mais carbono do que a de Balbina”, alerta o pesquisador.
Também devido à decomposição, a idade da hidrelétrica interfere nas emissões. Conforme o tempo passa, há menos material para ser degradado. “Quando um reservatório acaba de ser criado, o solo e a vegetação terrestres são inundados. A matéria orgânica que fica imersa nas águas dos reservatórios é decomposta por bactérias. O consumo gera dióxido de carbono a partir da respiração durante o processo de degradação. No fundo dos reservatórios, nas camadas sem oxigênio, o metano é formado pela ação de bactérias metanogênicas que degradam a matéria orgânica do solo e da vegetação inundada”, explica o pesquisador. “Quando se coloca chá de erva cidreira em um copo e depois se joga água em cima, o líquido começa a ficar esverdeado; o material da planta é liberado para a água. No caso dos reservatórios, o material orgânico dissolvido na água é fonte de alimento para as bactérias.”
Assim, Roland afirma que uma das maneiras de diminuir as emissões é alagar uma área menor. “Na região amazônica, os reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, por exemplo, terão uma área alagada pequena. Isso porque a energia será gerada aproveitando a elevada vazão do rio Madeira”, conta. Sobre a usina de Belo Monte, o pesquisador diz que desconhece o projeto de engenharia. “A engenharia, em particular a de hidrelétricas, tem avançado muito graças à ecologia. É possível criar novas tecnologias para a geração de energia e, inclusive, sem inundar uma área grande”, acredita.
O didático Fábio Roland, neste momento, está na cidade holandesa de Wageningen como parte de uma cooperação entre os países na universidade de mesmo nome estudando o papel das cianobactérias - organismos fotossintetizantes que vivem flutuando na água - em ecossistemas aquáticos. “Elas produzem substâncias tóxicas para o consumo humano”, explica em entrevista feita por programa de conversa telefônica on-line, no escritório emprestado pela guarda florestal do local. Do seu trabalho de campo, o professor se diz satisfeito em contribuir para a discussão que visa a contenção do aquecimento global. “Este é um momento especial para a ciência brasileira. Estamos realizando pesquisas de excelência para ajudar no entendimento do papel dos reservatórios de hidrelétricas no contexto das mudanças climáticas. Atualmente, o Brasil está trabalhando no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)”, comemora. E, do interior da Holanda, lembra dos alunos: “Nathan Barros, o primeiro autor citado no artigo, é estudante de doutorado. Daqui a alguns anos o mundo, principalmente o Brasil, terá um contingente de especialistas em reservatórios”. Assim, do lado de cá do planeta, o grupo de Juiz de Fora continua o trabalho investigando a ecologia dos reservatórios brasileiros.