quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Anticoncepcional Masculino

Substância que inibe espermatozoide pode virar pílula masculina, diz estudo

Composto bloqueia proteína presente nos testículos de cobaias e homens.
Efeito sobre a fertilidade foi reversível e não houve alteração hormonal

De tempos em tempos, cientistas conduzem estudos que os fazem acreditar que a pílula anticoncepcional masculina está cada vez mais perto de se tornar real. Desta vez, pesquisadores de três universidades americanas publicaram na revista "Cell" a descoberta de uma substância que pode virar um comprimido para os homens controlarem a própria fertilidade.
Os testes foram feitos com camundongos machos, que ficaram estéreis, mas não tiveram prejuízos no desempenho sexual, nas taxas de testosterona nem no comportamento.
Além disso, os autores – do Instituto do Câncer Dana-Farber, ligado à Universidade de Harvard, da Universidade de Washington e da Faculdade de Medicina Baylor, no Texas – não observaram efeitos colaterais nos futuros filhotes.
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Camundongo (Foto: Harvard University/University of Washington/Baylor College of Medicine/Divulgação)
O novo composto, chamado JQ1, é livre de hormônios – ao contrário da pílula feminina, que costuma misturar doses de estrogênio e progesterona. A substância inibe uma proteína presente nos testículos de camundongos e homens, conhecida como BRDT, que é essencial para a fertilidade. Dessa forma, as cobaias começaram a produzir menos espermatozoides e, mesmo quando os fabricavam, eles não se locomoviam direito.
Assim que os animais pararam de fazer esse controle de natalidade, os gametas se recuperaram rapidamente e readquiram a capacidade de procriação, de forma saudável, destaca o principal pesquisador, James Bradner.
A grande dificuldade da ciência em formular um anticoncepcional masculino está justamente no fato de que as drogas precisam entrar na corrente sanguínea, chegar até os testículos e atingir as células produtoras de esperma, o que esse estudo parece prometer.
Os autores dizem que um medicamento como esse é necessário porque quase um terço dos casais americanos depende exclusivamente de métodos contraceptivos masculinos, como a camisinha. E muitas mulheres acabam engravidando de forma não planejada.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Estudo descarta miscigenação entre humanos e neandertais


Antropólogos contestaram teorias segundo as quais o Homo sapiens e os neandertais se miscigenaram, transmitido aos humanos atuais parte do legado genético de seus primos misteriosos. Os pesquisadores vão contra vários estudos divulgados ao longo dos últimos dois anos que sugerem um cruzamento entre o Homo sapiens e o hominídeo enigmático que viveu em regiões de Europa, Ásia Central e Oriente Médio por até 300 mil anos, mas desapareceu de 30 a 40 mil anos atrás.
As evidências provêm de fósseis de DNA, que demonstram que eurasiáticos e asiáticos médios partilham entre 2% e 4% de seu DNA com os neandertais, mas os africanos, quase nenhum. Mas um novo estudo feito por cientistas da Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, diz que o DNA veio de um ancestral comum e não através de "hibridização" ou reprodução entre duas espécies de hominídeos.
Em publicação, na segunda-feira, no periódico americano Proceedings of the National Academy of Sciences(PNAS), Andrea Manica e Anders Eriksson, do Grupo de Ecologia Evolutiva da universidade britânica, desenvolveram um modelo de computador para simular a odisseia genética. Ele começa com um ancestral comum dos neandertais e do Homo sapiens que viveu cerca de meio milhão de anos atrás em regiões de África e Europa.
Por volta de 300 mil a 350 mil anos atrás, a população europeia e a população africana deste hominídeo se separaram. Vivendo em isolamento genético, o ramo europeu evoluiu pouco a pouco até dar origem aos neandertais, enquanto o ramo africano acabou dando origem ao Homo sapiens, que se disseminou em ondas migratórias que deixaram a África cerca de 60 mil a 70 mil anos atrás.
Segundo a teoria, comunidades de Homo sapiens que estavam geneticamente mais próximas da Europa, possivelmente no Norte da África, preservaram uma parte relativamente maior de genes ancestrais. Eles também se tornaram os primeiros colonizadores da Eurásia durante a progressiva migração "Fora da África".
Isto poderia explicar porque os europeus e asiáticos modernos têm uma semelhança genética com os neandertais, mas os africanos, não. "Nosso trabalho demonstra claramente que os padrões atualmente vistos no genoma do neandertal não são excepcionais e estão alinhados com nossas expectativas do que veríamos sem a hibridização", afirmou Manica em um comunicado.
"Assim, se qualquer hibridização ocorreu, é difícil provar conclusivamente que tenha ocorrido, deve ter sido mínima e muito menor do que as pessoas alegam agora", acrescentou. O que aconteceu com os neandertais é uma das grandes questões da antropologia.
A hibridização poderia responder a ela, ao menos parcialmente. Ao se miscigenarem com os humanos, os neandertais não teriam sido extintos pelo Homo sapiens ou pelas mudanças climáticas, como alguns argumentam. Ao contrário, os genes dos neandertais teriam se misturados no genoma da cepa dominante doHomo.
Em um estudo separado publicado na PNAS, cientistas chefiados por Svante Paabo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, Alemanha, encontraram indícios que os neandertais e os Homo sapiens se separaram entre 400 mil e 800 mil anos atrás, mais cedo do que se imaginava.
A equipe também calculou que os humanos se separaram dos chimpanzés, nosso parente primata mais próximo, entre 7 e 8 milhões de anos, antes dos 6 a 7 milhões de anos atrás, segundo as estimativas mais 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PARTENOGÊNESE

“Se Deus existe e tem sexo, certamente é mulher”, diz o biólogo Rodrigo Marques Lima dos Santos, entusiasmado ao ver o que os lagartos – ou melhor, os lagartos fêmeas – conseguem fazer.
Várias espécies de lagartos exibem formas surpreendentes de se reproduzirem. As fêmeas geram filhotes de modo assexuado, sem a participação de qualquer macho. São independentes, mas não são radicais: em algumas espécies, se um macho passa por perto, permitem a cópula e podem ser fecundadas. A autonomia reprodutiva chega a tal ponto que em algumas espécies só existem fêmeas, que se reproduzem de um modo assexuado conhecido como partenogênese, que parece ser mais flexível do que se pensava.
Biólogos da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), estudando diferentes aspectos da partenogênese, concluíram que alterações em um gene conhecido como c-mos poderiam permitir a transformação das células reprodutoras femininas (óvulos) em embrião, mesmo sem um espermatozoide.
Rodrigo Santos entrou na pista desse mecanismo em seu doutorado, enquanto estudava os lagartos teídeos, grupo que inclui espécies de 10 centímetros de comprimento até os teiús, de até um metro e meio de comprimento. Sem esperar, ele começou a ver mutações no gene c-mos em grupos com espécies partenogenéticas. Em 2008 ele começou a trabalhar com Andréa Balan, do LNBio, para modelar as formas da proteína produzida pelo c-mos nos lagartos e em cobras e, em conjunto, identificaram mutações em um dos quatro sítios ativos (pontos de interação) da proteína, reforçando as hipóteses iniciais.
O gene c-mos produz uma proteína que bloqueia o final da divisão celular do óvulo até a chegada do espermatozoide. A célula sexual masculina, ao fertilizar o óvulo, desativa a proteína, a divisão celular termina e um embrião se forma. A hipótese dos pesquisadores é que, quando sofre alterações, o c-mos não funciona direito e pode fazer com que o óvulo continue a se dividir, mesmo sem o espermatozoide. Eles acreditam que defeitos nesse gene poderiam atenuar o bloqueio da divisão do óvulo e permitir que outros estímulos, como hormônios, reativem a divisão celular.
Se avançar, esse trabalho poderá elucidar um dos mecanismos da partenogênese. Hoje mal se sabe como surgiram as espécies de lagartos capazes de se reproduzirem de modo assexuado – e menos ainda como elas adquiriram e mantêm essa habilidade. De acordo com a hipótese mais aceita, cobras e lagartos partenogenéticos podem ser resultado do cruzamento entre espécies próximas.
© MIGUEL RODRIGUES
Iguais por fora, geneticamente diferentes: os Leposoma percarinatum podem ser diploides...
O Leposoma percarinatum, uma das espécies encontradas no Brasil, está mostrando o alcance desse labirinto genético. Os lagartos dessa espécie, reconhecida como partenogenética em 1952, têm no máximo cinco centímetros de comprimento e vivem entre folhas nas matas de uma região ampla – da Venezuela até o norte do estado de Mato Grosso, dos Andes até o leste do Pará. Uma hipótese apresentada nos anos 1970 sugere que o L. percarinatum seria o resultado do cruzamento entre duas espécies diferentes, Leposoma guianense e L. parietale, encontradas em florestas úmidas da América do Sul.
Katia Pellegrino, da Unifesp, e Miguel Rodrigues, da USP, encontraram uma situação inusitada: as fêmeas de Leposoma percarinatum eram praticamente iguais por fora, mas apresentavam uma espantosa diferença do ponto de vista genético. Algumas fêmeas, as diploides, tinham 44 cromossomos (dois conjuntos iguais de 22 cromossomos) em cada célula, enquanto as triploides tinham 66 cromossomos (três conjuntos de 22).
“Dentro do que se supunha ser uma mesma espécie existem duas linhagens diferentes, que nos permitirão reconstruir sua história e seus mecanismos de origem”, Katia concluiu. Para ela, a variedade triploide deve ter surgido de outro evento de hibridização entre a forma diploide de L. percarinatum e L. osvaldoi, já que L. guianense não ocorre tão ao sul do país.
Às vezes surgem bichos que desfazem as explicações que estavam se formando. De uma viagem ao arquipélago de Anavilhanas, no rio Negro, Rodrigues trouxe exemplares de Leposoma guianense, e alguns indivíduos que se revelaram pertencer a um novo clone de Leposoma percarinatum e outros diferentes a ponto de representarem uma nova espécie, que ganhou o nome de Leposoma ferrerai – todos diploides, vivendo no mesmo espaço.
O calango da restinga, ou Cnemidophorus nativo, uma das poucas espécies exclusivamente partenogenéticas de lagartos brasileiros – e ameaçada de extinção –, é apenas diploide, de acordo com as análises de Santos. Encontrados nas matas do norte do Espírito Santo e do sul da Bahia, esses animais pertencem a uma família irmã à dos Leposoma, mas podem chegar a 30 centímetros de comprimento. Segundo Santos, outras espécies partenogenéticas que vivem na Amazônia, como Cnemidophorus lemniscatus e Gymnophthalmus underwoodi, parecem mesclar populações diploides e triploides.
© MIGUEL RODRIGUES
...ou triploides
Os biólogos trabalham com a possibilidade de a partenogênese não formar apenas clones da mãe, mas também permitir alguma variabilidade genética, embora menor que a da reprodução sexuada, por meio da recombinação entre os cromossomos do óvulo. “Um estudo recente mostrou que uma cobra, por partenogênese, gerou um filhote albino, indicando que há, sim, recombinação genética mesmo na reprodução assexuada”, argumenta Santos. “A origem espontânea da partenogênese, uma hipótese alternativa à teoria híbrida, não pode ser descartada em Leposoma e Cnemidophorus, uma vez que esse mecanismo já foi sugerido para exemplares de Gymnophthalmus underwoodi de Roraima”, acrescenta Katia.
Abraço indispensável
Santos cogita que o Cnemidophorus nativo possa ter um comportamento similar ao dos lagartos do gênero Aspidoscelis. Encontrados em regiões desérticas da Ásia e América do Norte, os Aspidoscelis só começam a formar embriões depois de um abraço, que os biólogos chamam de pseudocópula. Uma delas, detectando o toque ou o raspão da outra, deve ativar a liberação de hormônios que desbloqueiam o c-mos, acreditam os biólogos da USP.
“Para algumas espécies partenogenéticas do gênero Aspidosceles se reproduzirem”, comenta Santos, “a cópula entre as fêmeas é obrigatória”. David Crews e Jon Sakata, da Universidade do Texas, Estados Unidos, mostraram em 2000 que as fêmeas abraçadas apresentavam um ciclo hormonal inverso, uma com altos níveis de estrógeno, hormônio mais abundante nas fêmeas, e outra com altos níveis de testosterona, produzida mais intensamente pelos machos.
Em 2011, pesquisadores da Universidade de Kansas, Estados Unidos, conseguiram induzir a hibridação e confirmar que a reprodução sexuada pode formar uma espécie partenogenética ao cruzarem duas espécies de Aspidosceles. Fazer uma fêmea partenogenética se reproduzir em laboratório, sozinha ou sob o aconchego de outra fêmea, porém, permanece um dos sonhos dos biólogos.
Entre as 5.634 espécies de lagartos já identificadas, cerca de 40 são partenogenéticas – e geralmente vivem em regiões de florestas tropicais ou de climas desérticos da Ásia ou Oceania. “A reprodução por partenogênese resulta em uma variabilidade genética menor que a reprodução sexual, mas pode ser uma resposta adaptativa de sobrevivência a ambientes extremos”, comenta Yatiyo Yassuda, geneticista especializada em genética de lagartos que acompanha o estudo sobre as possíveis origens da partenogênese.
Na década de 1980, Yatiyo enfrentou um problema semelhante e, a muito custo, conseguiu convencer outros geneticistas de que os lagartos do gênero Tropidurus apresentavam diferenciação sexual – os machos tinham um cromossomo diferente do das fêmeas, mas, de tão pequeno, era quase imperceptível. Muitas espécies de lagartos apresentam o mesmo conjunto de cromossomos e se diferenciam sexualmente por meio de genes desconhecidos ou da variação de temperatura enquanto se desenvolvem – se mais alta, pode favorecer o desenvolvimento de embriões machos em algumas espécies ou fêmeas, em outras.
A sala de Yatiyo, onde Santos conta de seu trabalho, exibe algumas pinturas de flores, algumas figurativas, outras abstratas. “Esse foi o começo. Já pintei mais de 300 quadros depois que me aposentei”, diz ela, imaginando o sol que pretendia pintar no dia seguinte, um sábado. “Mas ainda venho para cá todos os dias.”
Clonagem induzida
“A partenogênese meiótica é uma forma de clonagem natural com algumas semelhanças à clonagem induzida para reprodução de animais de interesse comercial”, observa. Em 2004, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal indicaram que o etanol e o elemento químico estrôncio podem induzir os óvulos de vacas a seguir a divisão celular, funcionando como um estímulo externo análogo à célula sexual masculina.
Do mesmo modo, os óvulos de animais experimentais como a ovelha Dolly só se desenvolveram depois de terem recebido um choque elétrico, que deve desativar o c-mos. Santos acredita que a partenogênese, se puder ser regulada, poderia ajudar na pecuária ou na conservação de espécies silvestres em risco de extinção. “Os mamíferos têm mecanismos que evitam a partenogênese, como o imprinting”, observa. Outra aplicação seria médica, já que mutações nesse gene poderiam fazer os óvulos se dividir sem controle, originando tumores.
Se avançarem, os biólogos talvez encontrem respostas novas para duas perguntas básicas da biologia. A primeira: para que serve o sexo? A outra: qual a vantagem da reprodução sexuada? Segundo Santos, a reprodução sexuada exige que dois organismos se encontrem para formar filhotes, enquanto na partenogênese apenas um organismo já é o bastante para gerar outro. E nem sempre a variabilidade genética trazida pela reprodução sexuada é benéfica para as espécies, argumentam os biólogos.
“A reprodução sexuada é melhor para ambientes em transformação, com alto risco de predação e doenças, mas é ruim em ambientes estáveis e populações saudáveis, pois um indivíduo bem adaptado pode formar filhotes mal adaptados”, diz ele. “Em ambientes estáveis, a reprodução clonal, como se faz com animais de criação e plantas, resultando em filhotes com rendimento ótimo, é a mais indicada.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Origem das Aves

Uma equipe internacional de pesquisadores descreveu a primeira evidência fóssil no Brasil de um dinossauro do grupo Unenlagiidae, que pode ter sido ancestral das aves atuais. Trata-se de um exemplar de terópode, dinossauro carnívoro que andava sobre duas patas, parente do Tiranossauro rex. Uma vértebra dorsal com cerca de quatro centímetros de altura foi encontrada na região de Marília, interior de São Paulo. A descoberta foi publicada na edição de junho da revista Cretaceous Research. Segundo o artigo, o estudo desse tipo de terópode é importante para as pesquisas sobre a evolução dos dinossauros e das aves.
A vértebra indica que o dinossauro, que viveu naquela região entre 93,5 milhões de anos e 83,5 milhões de anos atrás, tinha características típicas das aves, como tamanho modesto (cerca de 1,5 metro de comprimento) e, possivelmente, penas e estruturas parecidas com asas. Estas características estão presentes em quase todos os Unenlagiidae encontrados na Argentina e em Madagascar, na África, e em outros dinossauros do Canadá, dos Estados Unidos e da Mongólia como, por exemplo, o velociraptor.
Fósseis que parecem ser da mesma espécie do terópode brasileiro já tinham sido encontrados na Argentina. Também há evidências de que ele tenha vivido onde hoje está Madagascar. “Antes dele, a maioria dos fósseis de dinossauros descobertos no Brasil era, principalmente, de animais com grande porte”, conta o paleontólogo Carlos Roberto A. Candeiro, da Universidade Federal de Uberlândia, um dos autores do estudo.
Encontrar dinossauros menores indica que havia outra cadeia ecológica naquela época. “Possivelmente, dinossauros pequenos caçavam animais menores que ainda não foram descobertos por nós”, explica Candeiro. A esperança dos pesquisadores é, em breve, encontrar mais fósseis na unidade geológica chamada Grupo Bauru, onde a vértebra foi escavada, e montar a cadeia alimentar da qual faziam parte. O achado também sugere que esses sedimentos brasileiros podem ser importantes para a compreensão da evolução de aves.

Detalhes sobre a reprodução de Cefalópodes

Em artigo de capa publicado no periódico Journal of Morphology, pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) descreveram detalhes até então obscuros do processo reprodutivo de moluscos cefalópodes, classe de animais marinhos a que pertencem os polvos, as lulas, as sépias e os náutilos.
A pesquisa foi feita com lulas da espécie Doryteuthis plei, coletadas no litoral de São Sebastião, em São Paulo, durante o doutorado de José Eduardo Amoroso Rodriguez Marian, com Bolsa da FAPESP, orientado pelo professor Osmar Domaneschi (in memoriam) e pela professora Sônia Godoy Bueno Carvalho Lopes.
“As lulas e os demais cefalópodes entram na fase reprodutiva no fim do ciclo de vida. Durante a cópula, os machos transferem seus gametas para as fêmeas por meio de um braço modificado conhecido como hectocótilo”, disse Marian.
Os espermatozoides são transferidos dentro de cápsulas chamadas espermatóforos, explicou o pesquisador. Essas estruturas são produzidas continuamente pelo macho quando ele atinge a maturidade sexual e ficam armazenadas no saco espermatofórico. A cada cópula, algumas dezenas de cápsulas são transferidas para as fêmeas.
“Já se conhecia esse processo, mas não se sabia por que os cefalópodes possuíam espermatóforos tão complexos. Para alguns autores, são as estruturas reprodutivas mais complexas do reino animal”, disse Marian.
Ao perceber a carência de trabalhos na área, Marian decidiu focar sua pesquisa de doutorado, que havia começado com tema mais amplo, no entendimento da estrutura e do funcionamento dos espermatóforos.
“Acreditava-se anteriormente que os machos desempenhavam um papel mais ativo na transferência de espermatozoides. Mas mostramos que o espermatóforo sozinho é capaz de se ancorar no corpo da fêmea, perfurar o tecido e se aderir a ele por meio da liberação de substâncias adesivas. Todo esse processo é autônomo, ou seja, realizado pelo próprio espermatóforo, e extracorpóreo”, explicou.
O espermatóforo tem três componentes principais, cada um deles com uma função diferente. “Além da massa espermática, que contém os espermatozoides, há o aparato ejaculatório, responsável pela ancoragem no corpo da fêmea e pela escarificação do tecido. Há ainda o corpo cimentante, estrutura que libera as substâncias adesivas”, disse Marian.
No artigo publicado no Journal of Morphology, Marian descreve em detalhes a chamada reação espermatofórica – processo durante o qual o aparato ejaculatório é projetado e a massa espermática e o corpo cimentante são liberados.
O tempo de duração desse fenômeno varia de acordo com a espécie. No caso das lulas estudadas, gira em torno de 30 segundos. “Mas, no caso do polvo gigante do Pacífico, cujo espermatóforo pode atingir um metro de comprimento, pode chegar a uma hora”, contou.
Para entender melhor cada etapa do processo, Marian, com auxílio de colegas do Centro de Biologia Marinha da USP, removeu os espermatóforos das lulas, engatilhou a reação espermatofórica vitro e observou o fenômeno sob as lentes do microscópio.
“O espermatóforo é uma cápsula alongada com cerca de um centímetro no caso da maioria das lulas. Em um dos ápices há um filamento. Quando esse filamento é tensionado, tem início a reação espermatofórica”, disse.
A pesquisa também deu origem a outras publicações. No periódico Acta Zoologica foi descrita uma análise morfológica detalhada do espermatóforo.
A constatação de que os espermatóforos tinham capacidade de perfurar o tecido das fêmeas rendeu um artigo no Journal of Molluscan Studies. Já na revista Papéis Avulsos de Zoologia foi publicado um outro artigo de revisão sobre o tema.
“Com base nas evidências que conseguimos reunir, desenvolvemos um modelo teórico para explicar o processo de implante de espermatóforos, fenômeno que permaneceu obscuro durante muito tempo”, contou Marian. Esse modelo foi divulgado em artigo no Biological Journal of the Linnean Society.
“Esses animais estão sempre nadando por meio de jato-propulsão e há muita turbulência na superfície de seus corpos. Isso, em teoria, dificulta a deposição de espermatóforos. O sistema de fixação por implante observado nos cefalópodes é eficiente a ponto de suportar a resistência imposta pelo modo de vida desses animais”, disse Marian.
Além do financiamento da FAPESP, o projeto contou com apoio do Programa de Apoio à Pós-Graduação (Proap) da Capes, da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP, da American Malacological Society e da Houston Conchology Society.
A pesquisa recebeu quatro prêmios oferecidos por sociedades de malacologia – ramo da biologia que estuda os moluscos: American Malacological Society, Houston Conchology Society, Unitas Malacologica e Sociedade Brasileira de Malacologia.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Excelente texto sobre estômatos

Barreira natural contra infecções

27/10/2006
Por Heitor Shimizu
Agência FAPESP - Estômatos são estruturas microscópicas encontradas na epiderme das folhas. Por meio deles, as plantas transpiram e realizam a fundamental – não apenas para elas, mas para todo o planeta – troca gasosa com a atmosfera. Em épocas de seca, os estômatos são fechados para conservar água. Um novo estudo acaba de fazer uma descoberta surpreendente, ao mostrar que os estômatos são essenciais para a sobrevivência das plantas não apenas pelo que já se sabia, mas também como defesa fundamental contra invasões de bactérias. Diferente de fungos, que conseguem atravessar a superfície foliar facilmente, as bactérias precisam encontrar caminhos abertos – naturais ou provocados por ferimentos – para colonizar tecidos internos. Aqui entram os estômatos, mas até agora se achava que esses poros tivessem um papel passivo e deixassem bactérias entrarem livremente no interior das plantas. Sheng Yang He, professor do Plant Research Laboratory da Michigan State University (MSU), nos Estados Unidos, desconfiava que o cenário não era bem esse.He e equipe, do qual faz parte a brasileira Maeli Melotto, decidiram investigar como os estômatos respondiam a diversos organismos causadores de doenças. Ao exporem folhas de Arabidopsis, uma planta modelo usada em pesquisa, a bactérias, verificaram que os poros se fecharam em menos de uma hora. Os estômatos se mantiveram fechados para bactérias inofensivas, mas, para surpresa dos pesquisadores, abriram três horas após a exposição ao patógeno Pseudomonas syringae. O motivo é que essa bactéria contém uma fitotoxina chamada coronatina, que induz a abertura estomatal. Ao exporem folhas a estirpes da bactéria que não produziam coronatina, os cientistas descobriram que os poros não se abriram, indicando o papel da toxina na indução da abertura estomatal. O estudo foi publicado em setembro na revista Cell, em artigo com Maeli como primeira autora. Em seguida, ganhou destaque em diversas outras publicações científicas, como as revistas Science e Nature. Na entrevista a seguir, Maeli fala a respeito das descobertas sobre o papel dos estômatos no sistema imunológico das plantas. Bióloga com mestrado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, a pesquisadora fez o doutorado pela Michigan State University. Depois do doutorado, integrou a equipe do professor Luis Aranha Camargo, na Esalq, quando contou com apoio da FAPESP na modalidade Jovem Pesquisador em Centros Emergentes. "Em seguida, decidi por desenvolver pesquisa na MSU por essa estar entre as cinco melhores universidades norte-americanas voltadas para a agricultura", conta.


Agência FAPESP - Os srs. descobriram que o movimento dos estômatos faz parte de um sistema defensivo das plantas para a invasão de bactérias – que, diferentemente de outros organismos, como fungos, precisariam de tais passagens. Esse é um mecanismo genérico, ou seja, válido como defesa para todos os tipos de bactérias?
Maeli Melotto - Essa é uma questão muito relevante, mas, no momento, não podemos generalizar o mecanismo para qualquer outro tipo de bactéria, uma vez que o estudo foi realizado somente com Pseudomonas syringae e Escherichia coli. Mas é importante destacar que esse foi o primeiro estudo a demonstrar a importância do estômato na defesa contra bactérias. O fechamento estomatal na presença dessas duas bactérias tão diferentes sugere que esse pode ser um mecanismo comum e evolucionariamente antigo de defesa das plantas. Agência FAPESP – Quando expostos a um patógeno (P. syringae), os estômatos se fecharam, mas depois abriram. Por quê?
Maeli - Os estômatos abrem para o patógeno, pois esses desenvolveram mecanismos para combater a defesa das plantas. São o que chamamos de patógenos "bem-sucedidos". A P. syringae produz a toxina coronatina, que promove a reabertura dos estômatos. O fato de o estômato fechar a princípio ocorre porque a coronatina é produzida pela bactéria somente em contato com a planta. A síntese de coronatina demora de duas a três horas. Agência FAPESP - Mas, quando expostos a uma bactéria inofensiva (E. coli), os estômatos continuaram fechados.
Maeli - Uma explicação de por que a planta fecha o estômato para a inofensiva E. coli é que a superfície da planta não distingue uma bactéria patogênica de uma não-patogênica. A planta reconhece moléculas que são conservadas na bactéria e inicia o sistema de defesa. Realmente, a príncipio a E. coli parece inofensiva para a planta. Potencialmente, qualquer bactéria poderia ser um patógeno, mas, para isso, a bactéria teria que desenvolver mecanismos para desarmar todo o sistema de defesa das plantas. Uma das razões pela qual a E. coli não é um patógeno de plantas é porque essa bactéria não desenvolveu mecanismos para desarmar a defesa estomatal – que pode ser encarada como a primeira camada de defesa das plantas. Não podemos esquecer que as plantas têm muitas formas de defesa, sendo a defesa estomatal uma delas.Agência FAPESP - O que a coronatina provoca e o quanto ela é comum?
Maeli - A coronatina causa clorose na planta (sintoma típico da doença) e é produzida por pelo menos cinco patovares da bactéria Pseudomonas syringae. Esses patovares [termo usado para designar, dentro de uma espécie, bactérias que são patogênicas a um hospedeiro ou grupo de hospedeiro] atacam plantas diversas, tais como crucíferas [como a couve], tomate e soja.Agência FAPESP - Se muitas bactérias podem usar a coronatina, qual é a importância do sistema de defesa estomatal? Mesmo assim ele é eficiente?
Maeli - A coronatina não é produzida por muitos patógenos, mas outras toxinas produzidas por outros patógenos poderiam ter o mesmo modo de ação que a coronatina. Isso deverá ser estudado no futuro. No entanto, a produção de toxinas não é universal nas bactérias e o fechamento estomatal pode prevenir a colonização interna das plantas por muitas bactérias que existem na natureza. Acreditamos que o fechamento do estômato pode ser uma forma de defesa muito antiga da planta, evolutivamente falando. Uma maneira de manter a maioria das bactérias – e talvez fungos que penetrem pelo estômato – fora do tecido foliar. Muitos microrganismos não se adaptaram para combater essa defesa estomatal e não podem colonizar tecidos internos. A defesa estomatal poderia prevenir a entrada oportunística desses microrganismos.Agência FAPESP - Em épocas mais úmidas, com estômatos abertos por mais tempo, as plantas estariam mais vulneráveis a bactérias? Essa é uma inferência que pode ser feita?
Maeli - Sim. Na natureza, doenças bacterianas aparecem geralmente depois de chuvas fortes, indicando que as bactérias poderiam entrar livremente na planta através dos estômatos abertos devido à alta umidade, causando danos extremos à produção. Agência FAPESP - De que modo entender esse mecanismo usado pelas bactérias pode ajudar a descobrir maneiras de combater invasões patogênicas que causam grandes prejuízos à agricultura, como por Xylella ou Xanthomonas, no caso brasileiro. Podemos pensar em soluções anticoronatina, por exemplo?
Maeli - De fato, mutantes de P. syringae que não produzem coronatina são menos virulentos. Mas esse não é o único mecanismo de virulência dessa bactéria. Teoricamente, uma solução anticoronatina resolveria o problema da P. syringae, mas o mecanismo de abertura e fechamento do estômato é complexo e controlado por muitos fatores. Se o estômato foi aberto por outro estímulo, as bactérias com ou sem coronatina entram na folha causando doença. Acredito que mais efetivo seria aumentar a defesa das plantas por meio do fechamento do estômato de maneira que esse não abrisse pela ação das toxinas. No futuro, deveremos estudar como o estômato responde aos diversos estímulos aos quais está exposto na natureza, coordenando e exercendo suas principais funções na troca gasosa, transpiração e, como foi demonstrado agora nesse estudo, defesa contra patógenos. No caso da Xylella, essa bactéria entra na planta por meio do inseto vetor ou por ferimentos no tecido da planta, portanto a defesa estomatal não seria eficiente ou relevante para controlar a doença. No caso da Xanthomonas, alguns patovares, como o patógeno do tomateiro (X. campestris pv. vesisatoria), entram pelo estômato. A defesa estomatal poderia ser efetiva contra esse patovar por exemplo. Outros patovares de Xanthomonas entram na planta por hidatódios [poros nas extremidades das folhas].Agência FAPESP - Qual é a próxima etapa da pesquisa de seu grupo?
Maeli - Pretendemos estudar mais detalhadamente os componentes moleculares envolvidos na defesa estomatal. Queremos entender como a coronatina age para desarmar a defesa estomatal e se essa defesa é efetiva contra outras bactérias patogênicas que entram na folha, principalmente pelo estômato.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Sobre hormônios

Hormônio feminino é fundamental na fertilidade masculina

01/08/2012
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Uma pesquisa feita na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que o hormônio feminino estrogênio também desempenha papel fundamental na fertilidade masculina. A descoberta ajuda a entender alguns casos de infertilidade de causa até então desconhecida e abre caminho para novos tratamentos.
“O nível de estrogênio na corrente sanguínea do homem é mais baixo que o circulante na mulher. Mas, quando se analisam os órgãos do sistema reprodutor masculino, o teor é até mais alto que o existente na mulher. Queríamos entender qual era a importância desse hormônio nesses órgãos”, conta Catarina Segreti Porto, coordenadora da pesquisa financiada pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático.
Ao analisar material extraído do testículo de ratos, os pesquisadores descobriram a existência de três diferentes receptores de estrógenos nas células responsáveis pela manutenção da produção do espermatozoide – as chamadas células de Sertoli.
“Essas células proliferam apenas em uma determinada fase do desenvolvimento que ocorre antes da puberdade. E esse processo é o que vai determinar a quantidade de espermatozoides que o indivíduo produz na idade adulta. Quanto mais células de Sertoli, portanto, maior o número de espermatozoides”, explicou Porto.
Um dos receptores descobertos pelos cientistas – conhecido na literatura científica como receptor de estrógeno alfa – é justamente o responsável por estimular a proliferação das células de Sertoli.
“Alguns casos de infertilidade masculina não têm relação com a falta de testosterona, de outros andrógenos ou de seus receptores. A explicação para esses casos pode ser falhas na produção de estrogênio ou no funcionamento desse receptor alfa”, disse Porto.
Os pesquisadores também demonstraram a existência do receptor de estrógeno beta, que tem a função antiproliferativa nas células de Sertoli e está expresso em maior quantidade no período que antecede a puberdade.
O terceiro receptor encontrado é conhecido como GPER e tem a função de inibir o processo de apoptose das células de Sertoli, ou seja, é responsável por manter as células vivas.
“Esse receptor foi descoberto recentemente em pesquisas sobre câncer de mama e ainda não se tinha certeza se ele estava presente apenas em situações patológicas. Agora, mostramos que ele também tem função na sobrevivência de células normais”, disse Porto.
A pesquisa foi feita com células extraídas do testículo de ratos com 15 dias de idade, período em que o processo de proliferação começa a diminuir.
“No futuro, poderemos pensar em ferramentas farmacológicas que seletivamente interajam com cada um desses receptores. Mas antes precisamos investigar melhor a expressão desses receptores nas diferentes fases de desenvolvimento do animal e descobrir em que momento é possível intervir para garantir no adulto uma produção de espermatozoides normal”, disse Porto.
Os resultados dessa linha do Temático já deram origem a quatro artigos – dois publicados na revista Biology of Reproduction, um na Spermatogenesis e outro nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia.
Câncer de próstata
Em outro braço do projeto também coordenado por Porto, os cientistas investigaram se a presença do estrogênio e de seus receptores no sistema reprodutor masculino também teria influência sobre o câncer de próstata.
“Sabemos que os hormônios masculinos ou andrógenos estimulam a proliferação das células malignas, tanto que um dos principais tratamentos para o câncer de próstata é justamente a castração cirúrgica ou farmacológica”, disse Porto.
Cerca de 85% dos pacientes com câncer prostático respondem bem ao bloqueio dos hormônios andrógenos e o tumor para de se desenvolver, mas, dois ou três anos após o tratamento, uma parcela significativa tem recaída. “Para esses casos de câncer resistente à castração ainda não existe tratamento efetivo. Eles progridem e causam metástase”, disse Porto.
Ao analisar linhagens de células de câncer prostático resistentes à castração, os pesquisadores da Unifesp verificaram que os receptores de estrógeno alfa e beta também estavam presentes.
“Esperávamos encontrar esses receptores, uma vez que o estrogênio também é produzido na próstata, mas o surpreendente foi verificar que nas células cancerígenas eles estavam localizados fora do núcleo. Já nas células normais, mais de 90% dos receptores ficam dentro do núcleo”, contou a pesquisadora.
Quando os receptores estão fora do núcleo celular, eles se tornam capazes de ativar mais rapidamente várias vias de sinalização celular envolvidas com proliferação, sobrevivência e migração celular.
“Mostramos que a ativação do receptor beta leva ao aumento da proteína beta-catenina, que tem múltiplos papéis no desenvolvimento do tumor. Esses estudos ainda estão em andamento, mas sugerimos que o estrogênio e seus receptores podem ter um papel na progressão do câncer prostático resistente à castração”, disse Porto.
Os dados preliminares foram apresentados no The Endocrine Society’s 94th Annual Meeting, realizado em Houston, Estados Unidos, em junho.
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