sexta-feira, 1 de junho de 2012

Por que não é preciso avançar sobre as florestas para aumentar a produção agrícola nacional?

 
É fato que a legislação ambiental e indigenista brasileira ‘engessa’ mais de 73% do território nacional, destinados a unidades de conservação, Terras Indígenas, Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs). Isso é um grande avanço na conservação de nossas florestas e é apontado pelos anti-preservacionistas e setores do agronegócio como o grande entrave para uma expansão maior ainda da agropecuária brasileira.
No entanto, o cientista social e ecólogo José Augusto Drummond ressaltou, em trabalho de 2009, que o restante (27%) é suficiente para a expansão da agricultura.
Este autor enfatiza que a agropecuária pode se expandir com base no aumento de produtividade e no aproveitamento/recuperação de solos ‘usados’, e que as RLs, que chegam a 31,54% do território nacional, juntamente com as APPs, seriam o preço a ser pago pela agropecuária – o que está de acordo com o movimento mundial que visa enquadrar ambientalmente as atividades produtivas.
Mais recentemente (2010), o agrônomo Gerd Sparoveck e outros demonstraram que o Brasil tem 61 milhões de hectares (ha) de alta e média produtividade agrícola que já estão alterados e podem ser usados na produção de alimentos.
No Brasil, não é necessário cortar mais árvores para produzir alimentos. Segundo o pesquisador, dos 278 milhões de ha ocupados pela agropecuária no país, pelo menos 83 milhões estão em situação de não conformidade com o Código Florestal e teriam que ser recuperados.
Observando todos esses dados, é possível afirmar que, no Brasil, não é necessário cortar mais árvores para produzir alimentos e que há um grande passivo de florestas ilegalmente cortadas que precisam ser restauradas.
Nesse contexto, o que nos surpreende é: por que uma lei de quase 50 anos não tem sido respeitada e cumprida? A discussão, após tanto tempo de destruição dos ecossistemas naturais brasileiros, deveria estar centrada em ‘onde’ e ‘como’ recuperar as Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente que não foram respeitadas
Os seis biomas brasileiros têm cerca de 6,6 milhões de km2 de cobertura vegetal, e a perda desta, até 2008, já soma cerca de 3 milhões de km2 (45% do total), segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (www.mma.gov.br/portalbio). Por que, então, perpetuar a expansão do desmatamento nos biomas ainda conservados e destruir os remanescentes de cobertura vegetal desses biomas? As Reservas Legais devem, também, ser uma contrapartida aos lucros da exploração da terra – a compensação pelo desmatamento e pela perda de biodiversidade. Se já dispomos de terras suficientes para o crescimento da produção agrícola, como comprovam Drummond e Sparoveck, não há razões econômicas, nem éticas, que justifiquem a perpetuação de um modelo de desenvolvimento que elimina os recursos naturais dos diferentes biomas.
As APPs significam uma decisão racional que visa a proteger áreas mais frágeis, como topos de morros, terrenos mais inclinados, matas ciliares dos rios e encostas e, sobretudo, as nascentes de água. Conservar a maior parte da cobertura vegetal nativa da Amazônia, manter a vegetação original restante dos demais biomas e recuperar o que foi destruído ilegalmente devem ser os caminhos a serem trilhados para combater a frag¬mentação de hábitats, proteger a diversidade dos ecossistemas e manter um percentual mínimo de vegetação nativa por bacia hidrográfica, como demonstrado em diversos trabalhos científicos.
O Brasil já é grande produtor de alimentos, mas à medida que nos tornamos globalizados e a sociedade civil bem informada, as exigências são maiores – os produtos têm que ser comprovadamente saudáveis do ponto de vista ambiental, sem desmatamento associado (seja soja, carne ou até biodiesel). Até que ponto ‘flexibilizar’ a lei nos trará p. Os múltiplos serviços ambientais, produzidos pela natureza ou por atividades humanas, já são um componente do futuro e atribuem novo e maior valor à cobertura vegetal, segundo uma das autoras (Becker, 2009). Eliminar Reservas Legais e APPs equivale a eliminar um uso da terra que representa um potencial de futuro, tanto para pequenos quanto para grandes produtores.
Em um ambiente mundial crescentemente competitivo, o Brasil precisa ampliar suas forças distintas e a natureza de seu território é um dos trunfos. Seu sistema de inovação está em grande parte alicerçado em seus recursos naturais. Do petróleo e das hidrelétricas à agricultura, aos biocombustíveis e ao papel da floresta amazônica no clima, a maior parte das inovações no Brasil está associada a seus ativos naturais, como mostraram a cientista social Kirsten Bound (2008) e uma das autoras deste artigo (Becker, 2010).
A revisão do Código Florestal deve ter esse fato crucial em mente e precisa, em vez de favorecer práticas obsoletas, investir e incentivar a inovação contínua no uso de nosso patrimônio natural. A Amazônia é o grande potencial para esse laboratório a ser desenolvido. Se necessário, para defender a Amazônia da destruição, melhor seria estatizar o coração da floresta que está bem preservada e utilizá-la apenas mediante concessões coordenadas pelo Estado.
É preciso garantir que a revisão do Código Florestal seja feita com sabedoria e cautela para que a nova lei seja efetivamente cumprida e respeitada por todos – segurança alimentar e segurança ambiental são dois lados da mesma moeda.

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